POR DANIEL CARIELLO*
Nem parece, mas já faz 22 anos que Brasília viveu seu dia de Altamont
Para quem não conhece a história, o Festival de Altamont reuniu, em 1969, bandas seminais como Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers e os Rolling Stones.
E foi no show do grupo de Mick Jagger que a confusão rolou: durante uma briga, os motoqueiros Hell’s Angels, que cuidavam da segurança, espancaram um fã até a morte.
Em Brasília, em 1988, o tumulto não chegou a esse extremo. Mas também não ficou muito longe. E as conseqüências foram semelhantes.
O cenário era a Capital Federal, estádio Mané Garrincha. E a banda era a Legião Urbana, comandada pelo redentor Renato Russo e seus três apóstolos.
Juntos, lideravam uma turba de 50 mil pessoas. 50 mil fanáticos. 50 mil dispostos a dar o sangue pelo salvador. E foi o que acabou acontecendo.
Analisada em perspectiva histórica, dá pra dizer que essa noite mudou a trajetória do mais famoso grupo de rock brasileiro em todos os tempos. E eu estava lá.
Faroeste Caboclo - Tinha 14 anos. Era o primeiro show de rock que assistia na vida. A Legião Urbana era amada na cidade mais ou menos como os Beatles em Liverpool.
Todo mundo foi ao Mané Garrincha. Todo mundo mesmo. Os 50 mil presentes compraram ingressos, ou não, e lotavam o gramado, as cadeiras e as arquibancadas do estádio.
Foi uma noite tensa. A polícia montada avançava com os cavalos sobre as transamazônicas filas que se formavam do lado de fora. A cidade estava extasiada.
Ninguém queria perder a volta do ídolo, um ano e meio depois. O caos era tão grande que tiveram a brilhante idéia de liberar as roletas. Quem tinha ingresso entrava. Quem não tinha entrava também.
A aparição da banda no palco pareceu a volta do messias. E, de certa forma, era mesmo. A multidão gritava enlouquecidamente, e o show começou, triunfal, com "Que País é Esse?", música de mesmo nome do recém-lançado disco, que até então já tinha vendido mais de 400 mil cópias.
O que aconteceu naquela noite muita gente ainda se lembra: bombinhas explodiram no palco, um louco agarrou Renato Russo no meio de Conexão Amazônica, brigas por toda parte, o cantor xingou a platéia, a platéia xingou o cantor. Um clima de quase guerra civil.
A banda saiu do palco depois de 50 minutos de apresentação. O público, indignado, iniciou um quebra-quebra. Eu estava nas arquibancadas.
E dava para ver a multidão correndo de um lado para o outro no gramado do estádio. A polícia, claro, não conseguiu controlar a catarse coletiva.
No dia seguinte, prometi pra mim mesmo que ficaria 10 anos sem ouvir as músicas deles. Fiquei uma semana. E a Legião nunca mais tocou em Brasília.
Geração Coca-Cola - Antes da Legião Urbana, nenhuma banda da cidade tinha conseguido projeção nacional. Outras vieram depois. Mas a diferença é que o quarteto tinha Renato Russo, um professor de inglês que gostava de Bob Dylan, Beatles, Stones e Sex Pistols.
Naqueles anos, ninguém mais estava a fim de ouvir Absyntho, Metrô, Sempre Livre e outros grupos que, felizmente, apareceram e desapareceram na década de oitenta. Era hora de escutar músicas que contavam o que acontecia no dia-a-dia da gente.
Renato sabia o que dizia. E sabia o que o seu público queria que ele dissesse. Suas letras iam da desilusão amorosa entoada em Ainda é Cedo à revolta em ver a pátria sem rumo, gritada em Que País É Este?.
Ele tinha a poesia dos trovadores. Foi o maior letrista do rock brasileiro em todos os tempos, mas com alma punk. Quando parava pra falar, todos ouviam. Por isso mesmo falava o que queria.
Uma mistura explosiva do poeta francês Baudelaire com Sid Vicious, o polêmico baixista dos Pistols.
Será? - Naquela noite de 18 de junho de 1988, isso tudo veio à tona. A idolatria pela Legião e especialmente pelo vocalista estavam no auge.
A expectativa era muito grande, tanto do público quanto do grupo. A banda prometia revolta e energia em suas músicas e foi isso que levou 50 mil pessoas ao estádio. Quando as coisas começaram a dar errado, ficou impossível controlar os ânimos.
Assim como a tragédia de Altamont marcou a transição dos sonhadores anos 60 para a barra pesada dos anos 70, o show do Mané Garrincha foi também um divisor de águas na carreira do grupo e na história da cidade.
A partir daquele momento, o quarteto passou a evitar longas turnês e deixou de lado o discurso político. As letras tornaram-se mais introspectivas.
Brasília nunca mais juntou tanta gente em uma apresentação de uma só banda e a segurança da platéia passou a ser levada mais a sério nos shows (ou você acha que 700policiais e seguranças dariam conta da multidão?).
Renato Russo também deixou de lado o discurso messiânico. Não queria mais mudar o mundo. Passou a querer apenas cantar suas próprias aflições e angústias.
Naquela noite Brasília perdeu um punk. E muito da inocência também.
E foi no show do grupo de Mick Jagger que a confusão rolou: durante uma briga, os motoqueiros Hell’s Angels, que cuidavam da segurança, espancaram um fã até a morte.
Em Brasília, em 1988, o tumulto não chegou a esse extremo. Mas também não ficou muito longe. E as conseqüências foram semelhantes.
O cenário era a Capital Federal, estádio Mané Garrincha. E a banda era a Legião Urbana, comandada pelo redentor Renato Russo e seus três apóstolos.
Juntos, lideravam uma turba de 50 mil pessoas. 50 mil fanáticos. 50 mil dispostos a dar o sangue pelo salvador. E foi o que acabou acontecendo.
Analisada em perspectiva histórica, dá pra dizer que essa noite mudou a trajetória do mais famoso grupo de rock brasileiro em todos os tempos. E eu estava lá.
Faroeste Caboclo - Tinha 14 anos. Era o primeiro show de rock que assistia na vida. A Legião Urbana era amada na cidade mais ou menos como os Beatles em Liverpool.
Todo mundo foi ao Mané Garrincha. Todo mundo mesmo. Os 50 mil presentes compraram ingressos, ou não, e lotavam o gramado, as cadeiras e as arquibancadas do estádio.
Foi uma noite tensa. A polícia montada avançava com os cavalos sobre as transamazônicas filas que se formavam do lado de fora. A cidade estava extasiada.
Ninguém queria perder a volta do ídolo, um ano e meio depois. O caos era tão grande que tiveram a brilhante idéia de liberar as roletas. Quem tinha ingresso entrava. Quem não tinha entrava também.
A aparição da banda no palco pareceu a volta do messias. E, de certa forma, era mesmo. A multidão gritava enlouquecidamente, e o show começou, triunfal, com "Que País é Esse?", música de mesmo nome do recém-lançado disco, que até então já tinha vendido mais de 400 mil cópias.
O que aconteceu naquela noite muita gente ainda se lembra: bombinhas explodiram no palco, um louco agarrou Renato Russo no meio de Conexão Amazônica, brigas por toda parte, o cantor xingou a platéia, a platéia xingou o cantor. Um clima de quase guerra civil.
A banda saiu do palco depois de 50 minutos de apresentação. O público, indignado, iniciou um quebra-quebra. Eu estava nas arquibancadas.
E dava para ver a multidão correndo de um lado para o outro no gramado do estádio. A polícia, claro, não conseguiu controlar a catarse coletiva.
No dia seguinte, prometi pra mim mesmo que ficaria 10 anos sem ouvir as músicas deles. Fiquei uma semana. E a Legião nunca mais tocou em Brasília.
Geração Coca-Cola - Antes da Legião Urbana, nenhuma banda da cidade tinha conseguido projeção nacional. Outras vieram depois. Mas a diferença é que o quarteto tinha Renato Russo, um professor de inglês que gostava de Bob Dylan, Beatles, Stones e Sex Pistols.
Naqueles anos, ninguém mais estava a fim de ouvir Absyntho, Metrô, Sempre Livre e outros grupos que, felizmente, apareceram e desapareceram na década de oitenta. Era hora de escutar músicas que contavam o que acontecia no dia-a-dia da gente.
Renato sabia o que dizia. E sabia o que o seu público queria que ele dissesse. Suas letras iam da desilusão amorosa entoada em Ainda é Cedo à revolta em ver a pátria sem rumo, gritada em Que País É Este?.
Ele tinha a poesia dos trovadores. Foi o maior letrista do rock brasileiro em todos os tempos, mas com alma punk. Quando parava pra falar, todos ouviam. Por isso mesmo falava o que queria.
Uma mistura explosiva do poeta francês Baudelaire com Sid Vicious, o polêmico baixista dos Pistols.
Será? - Naquela noite de 18 de junho de 1988, isso tudo veio à tona. A idolatria pela Legião e especialmente pelo vocalista estavam no auge.
A expectativa era muito grande, tanto do público quanto do grupo. A banda prometia revolta e energia em suas músicas e foi isso que levou 50 mil pessoas ao estádio. Quando as coisas começaram a dar errado, ficou impossível controlar os ânimos.
Assim como a tragédia de Altamont marcou a transição dos sonhadores anos 60 para a barra pesada dos anos 70, o show do Mané Garrincha foi também um divisor de águas na carreira do grupo e na história da cidade.
A partir daquele momento, o quarteto passou a evitar longas turnês e deixou de lado o discurso político. As letras tornaram-se mais introspectivas.
Brasília nunca mais juntou tanta gente em uma apresentação de uma só banda e a segurança da platéia passou a ser levada mais a sério nos shows (ou você acha que 700policiais e seguranças dariam conta da multidão?).
Renato Russo também deixou de lado o discurso messiânico. Não queria mais mudar o mundo. Passou a querer apenas cantar suas próprias aflições e angústias.
Naquela noite Brasília perdeu um punk. E muito da inocência também.
*Brasiliense, editor da revista franco-brasileira Brazuca