sexta-feira, 21 de outubro de 2011

o mAIOR pROBLEMA dE tODOS*

A corrupção faz parte da rotina da sociedade brasileira há mais de 500 anos. Será que um dia o país se permitirá extrair esse mal de suas entranhas? 

POR CRISTIANO BASTOS – ROLLING STONE 
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

"Se há reis ladrões, é questão muito arriscada. Certo é que os há e que não furtam ninharias. Quando empolgam, são como as águias reais, que só em coisas vivas e grandes fazem presa".
Atribuída ao jesuíta Manuel da Costa (1601-1667), a obra A Arte de Furtar, de 1652, foi oferecida ao rei D. João IV e a D. Teodósio, o príncipe do Brasil. Seus manuscritos, como sugere o título, não ensinam a roubar.
Denunciam, todavia, que a malversação de dinheiro público era prática comum no Brasil Colônia – a corrupção veio a bordo das caravelas e ancorou-se na história do país desde o Descobrimento.
Em 1516, empossado capitão da Costa Brasileira, o lusitano Pero Capico foi enviado pela coroa portuguesa à novíssima terra com a missão de evitar desvio de direitos reais sobre o comércio de açúcar, pau-brasil e escravos.
A passagem é emblemática. Capico desembarcou pobre no Brasil e, dez anos depois, voltou rico a Portugal. Com muita ironia, o padre Antônio Vieira (1608-1697) também escreveu sobre os governantes coloniais:
"Eles [as autoridades] chegam pobres nas Índias ricas e voltam ricos das Índias pobres".
Passaram mais de 500 anos de história, mas o quadro ainda é, praticamente, o daqueles tempos. Se não piorado. A despeito da estabilidade econômica e dos inegáveis avanços sociais conquistados pelo Brasil, a corrupção continua reinando firme no "país do caixa 2". 
Em pouco mais de nove meses de mandato, a presidente Dilma Rousseff teve de nadar contra a corrente de indesejáveis crises políticas, em virtude de sucessivos escândalos motivados por denúncias de corrupção. Nessa gestação inicial, cinco ministros "bailaram". 
Último a entrar na dança, Pedro Novais (PMDB-MA), do Turismo, foi derrubado na chamada "Operação Voucher" deflagrada pela Polícia Federal (que prendeu mais de 30 pessoas acusadas de desviar R$ 3 milhões, dentre elas o secretário-executivo do Ministério, Frederico Silva da Costa). 
Novais sucumbiu após denúncias, entre outras, de que pagava empregados domésticos com dinheiro do Congresso Nacional. Sua bancarrota moral, porém, foram os R$ 2.156 que pediu de reembolso à Câmara dos Deputados para pagar a conta de um motel usufruído por ele em São Luís (MA).
Caíram antes dele os ministros Wagner Rossi (PMDB-SP, da Agricultura), Antonio Palocci (PT-SP, Casa Civil), Alfredo Nascimento (PR-AM, Transportes) e Nelson Jobim (PMDB-RS, Defesa). Importante observar que três deles pertencem ao principal partido da base aliada do governo, o PMDB. 
O único que não tombou pelos mesmos motivos foi Jobim, o qual, literalmente, "morreu pela boca" após "declarações polêmicas". A respeito do vendaval de escândalos que varreu a paz do primeiro ano de seu mandato, Dilma declarou que o real desafio de seu governo consiste em defender os interesses brasileiros – muito mais do que "solucionar as crises da Esplanada". 
"Meu maior objetivo é desenvolver o país e distribuir renda. O resto eu faço por 'ossos do ofício'. Prioridade são as condições de vida do povo. Faxina é contra miséria", declarou a presidente.
Ossos do ofício à parte, o custo médio da corrupção no Brasil é altíssimo. Tão elevado que daria para resolver o problema da miséria de uma vez por todas. Segundo estudo realizado em 2010 pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), financeiramente, esse "preço" é estimado entre 1,38% e 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Ou seja, de R$ 50,8 bilhões a R$ 84,5 bilhões. Com os R$ 50,8 bilhões (estimados em um cenário realista) se poderia, por exemplo, aumentar em 138,1% os quilômetros de rodovias brasileiras – as quais passariam, de acordo com a meta estabelecida no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), de 45 mil para 107,9 mil quilômetros.
O número de aeroportos, por sua vez, se elevaria de 20 para 327 unidades. Entretanto, a corrupção não é uma exclusividade brasileira. O Banco Mundial estima que US$ 1 trilhão seja tragado todos os anos pelos corruptos em escala planetária. 
Correspondente a 1,6% do PIB mundial em 2010 (US$ 63 trilhões), o valor supera em 43% o gasto dos Estados Unidos com armamentos (US$ 698 bilhões).
Paradoxalmente à guerra, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que US$ 30 bilhões por ano são suficientes para acabar com a fome de quase 1 bilhão de pessoas ao redor do globo terrestre.
Assim, uma "faxina mundial" em favor da moralidade poderia sumir com a miséria da face da Terra. A berrante diferença entre corrupção no Brasil e nos países mais sérios, contudo, é uma já velha e bastante conhecida: a impunidade.
*Você continua lendo esta matéria na edição 61 da Rolling Stone Brasil, outubro/2011

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

o cAMINHO dAS pEDRAS

Após anos batendo cabeça, o Governo Federal ainda luta para encontrar alternativas na guerra contra a incontestável epidemia do crack

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR


Brasília, 19h. No horário de pico, mais de um milhão de pessoas circulam diariamente pela rodoviária da capital federal. A Praça dos Três Poderes repousa metros à frente, emoldurada pela visão dos monumentais edifícios que guardam o Executivo, o Judiciário e o Legislativo – Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional, respectivamente.

Os arredores refugiam, também, a cracolândia mais movimentada do Plano Piloto. O conjunto arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer, Patrimônio Cultural da Humanidade, não tombou imune à presença deste que hoje é, possivelmente, o mais agudo dos flagelos sociais brasileiros.

Valdeir Carlos Neves é mais uma dessas "almas químicas" cujas mãos brandem um cachimbo nos quatro cantos do Brasil. Na concretista paisagem, o rapaz baiano de 25 anos fuma crack escondido nas reentrâncias do Teatro Nacional, cara a cara com o poder. Consome mais de 20 gramas por dia.

"Em qualquer canto 'nóis' fuma”, conta, parecendo atribulado.

Ele tem a companhia de Juliana Soares da Silva, 18 anos, que saiu do interior de Goiás para perambular por Brasília atrás da pedra. Ela queima, literalmente, R$ 100 todos os dias, dinheiro que ganha à custa de programas, mas diz sonhar com um emprego.

"Quando a gente ocupa a cabeça com alguma coisa, não pensa em droga", diz. O vício, porém, tem apelo maior. Inquieta, a jovem avista um traficante e, sem paciência para a entrevista, corre ao seu encontro, aos gritos:

"Dá um oxi aí! Um real?"

O flagrante cenário, que não é exclusividade de Brasília, carrega simbologias preocupantes. A mais marcante delas é a inconcebível miopia do poder público diante de tão gritante problema social. Outra, de ordem econômica, escancara a facilidade de acesso que usuários de todas as idades e classes sociais têm ao devastador veneno.

Correndo paralelo à onda de corrupção que assolou o Brasil nos últimos meses, o crack também é uma "pedra no sapato" do Governo Federal. E não é de hoje. A epidemia vem anunciando-se há mais de duas décadas. Começou no governo de Collor (o primeiro registro oficial de uso da droga no Brasil data de 1989), instalou-se no período de FHC e consolidou-se nos anos Lula.

Cabe lembrar que, nas eleições presidenciais de 2010, o combate ao crack foi uma das grandes plataformas alardeadas durante a candidatura de Dilma Rousseff.

"Será uma luta sem quartel", a então candidata garantiu.

Em maio do ano passado, a promessa ganhou reforço fundamental do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, próximo ao fim de seu mandato, decretou o Plano Integrado para Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas.

Os R$ 410 milhões destinados ao plano foram repartidos entre os ministérios da Saúde, Justiça e Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Interministerial, a ação coliga três frentes: combate, prevenção e tratamento.

Mais de um ano depois, todavia, os resultados ainda são timidamente visíveis. Até o presente momento, para utilizar um jargão do meio, a estratégia não "decolou".

Vinculada ao Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), criada em 2004, desde abril vem anunciando a divulgação daquele que deverá ser o "maior estudo sobre usuários de crack do mundo".

Postergado, o levantamento deveria sair em junho, mas voltou a ser adiado. Agora sem data específica, a Senad promete sua publicação ainda para este ano. Realizado com 25 mil usuários de crack em todo o território nacional, o estudo vai traçar o mapa das principais cracolândias brasileiras.

A pesquisa custou R$ 6,9 milhões financiados pelo Plano Integrado e está sendo elaborada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Princeton University.

De acordo com a médica Paulina do Carmo Duarte, diretora da Senad, o objetivo é colher dados estatísticos reais das grandes cidades à zona rural. "Não temos, neste momento, nenhum número exato sobre o consumo de crack no país. O que há, até agora, são meras especulações", ela admite.

À época do lançamento do plano, Lula ainda observou a importância de se contar com números fidedignos sobre a epidemia: “Precisamos acabar com o ‘achismo’ e entender com precisão o problema do crack”, declarou.


*Você continua lendo esta matéria na edição 60 da Rolling Stone Brasil, setembro/2011

quinta-feira, 21 de julho de 2011

eU, cHRISTIANE f., 13 aNOS, dROGADA, pROSTITUÍDA...

Nova edição do notório best seller que chocou no final da década de 70

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE

Não há como negar, entre o público, o mórbido fascínio exercido pelo gênero "literatura da adicção". Embora decadentes, livros autobiográficos, como Memórias Alcoólicas de John Barleycorn, de Jack London, e Junkie, de William S. Burroughs, são obras-primas estupefacientes.

Isto é válido para o best seller Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada, Prostituída... (Betrand Brasil), lançado originalmente em 1978, que agora chega à 51ª edição.

Vera Christiane Felscherinow comprou seu bilhete para o vício pagando apenas pelas drogas "triviais" – haxixe e LSD entre elas –, mas desembarcou na irreversível coqueluche europeia: a heroína ou, simplesmente, "H".

Seu debute foi após ver um show de David Bowie, que lançava na época o álbum Station to Station. Eu, Christiane F. é baseado em depoimentos dados pela adolescente alemã a Kai Hermann e Horst Rieck, repórteres da revista Stern.

Nessa nova tiragem, a capa é estampada, pela primeira vez, com uma foto da "lolita junkie". Para saciar a "fissura" dos curiosos, o volume traz retratos dos parceiros de pico de Christiane, incluindo até um ex-namorado.

O testemunho ainda choca, porém, perto da atual tragédia brasileira, refém da nefasta dobradinha crack/oxi, está mais para a fábula de "Cinderela do submundo".

terça-feira, 12 de julho de 2011

a eRA dOS eXTREMOS

Com discursos radicais e forte tendência ao conflito, políticos como Jair Bolsonaro ganham voz e colocam fogo nos debates ideológicos

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

Desde que o Brasil restaurou a liberdade democrática, há 26 anos, o cenário da política nacional parece ebulir na intensidade de um vulcão que desperta em calorosa erupção. Como em nenhum outro momento da história, o debate nunca foi tão vasto, um sinal de que a democracia está amplamente assegurada.

Nos últimos tempos, respingando em todas as direções, à direita ou à esquerda, inflamáveis questões impregnaram a opinião pública e os noticiários - uma autêntica "fornalha ideológica" na qual ardem temas controversos da atualidade: homofobia, união homoafetiva, cotas raciais, religião, pena de morte.

E, em um déjà vu dos anos militares, até a tortura entrou em pauta.

Mas que novos ares são estes? Afinal, os tempos vivenciados pela política atual não são diferentes dos anteriores, nos quais a democracia reinou no Brasil.

Vale lembrar, contudo, que a política sempre foi o "reino do conflito ou do consenso", conforme reforça o cientista político Octaciano Nogueira, autor da obra Vocabulário da Política.

"Ou buscamos o consenso ou entramos em conflito. Todos gostaríamos de conceber a política como o reino do consenso e não como a predominância do conflito. O conflito, porém, é inerente à política."

Conflito é quase a palavra de ordem para o deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PP-RJ), cuja popularidade foi alçada graças às suas extremadas declarações sobre tópicos polêmicos como homofobia, preconceito racial, tortura, pena de morte e militarismo.

Um militar da reserva, Bolsonaro alardeia abertamente, por exemplo, as "benesses" do golpe militar de 1964. Teria sido, a seu ver, um "glorioso período" da história do Brasil - "Vinte anos de ordem e progresso".

Tão anacrônico quanto o totalitarismo, o parlamentar advoga a favor do uso de tortura em casos de tráfico de drogas e sequestro. "O objetivo é fazer o cara abrir a boca", justifica. Mortalmente radical, por outro lado, é sua solução para crime premeditado: execução sumária.

Incontáveis são as controvérsias com as quais Bolsonaro se envolveu desde que entrou para a política, em 1988. Seu linguajar impetuoso não poupou a presidente Dilma Rousseff, o ex-Luiz Inácio Lula da Silva e, muito menos, o antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

Quando FHC ainda estava no poder, em 2000, Bolsonaro disse que o ex-presidente estava "cometendo um crime" ao governar o Brasil da forma como fazia. Deveria, portanto, "ser fuzilado".

Hoje, o deputado afirma que é preciso analisar o contexto da época - e também levar em conta seu nacionalismo exacerbado:

"Quando FHC privatizou a Vale do Rio Doce, falei que, se vivêssemos num país sério, ele seria fuzilado".

Segundo ele, o lucro da empresa foi de R$ 50 bilhões em 2010. "O que a Vale produziu até hoje para o país? Somente buraco. Tira daqui o que temos de melhor, in natura, minerais, e vende a preço de terra no primeiro mundo."

Na cartilha educativa de Jair Bolsonaro, para "corrigir" filhos com tendências homossexuais, reza um antiquado método: as palmadas. De acordo com ele - que declarou preferir "ter um filho morto em um acidente a um homossexual" -, o propósito seria "mudar o filho gayzinho".

Como era de se esperar, a artilharia pesada fulminou como belicoso petardo entre defensores dos direitos humanos e associações LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). A despeito desse flagrante reacionarismo, é válido lembrar que nenhum político está na Câmara, no Senado ou na Presidência da República sem, antes, receber os votos dos cidadãos.

"Bolsonaro não sobressai por contribuições, grandes pronunciamentos ou pela defesa de reconhecidas ideias democráticas. Ele faz, justamente, o contrário", afirma o cientista Nogueira, para quem o deputado do PP "prega no deserto", ou seja, fala somente para um pequeno segmento de extrema direita.

terça-feira, 5 de julho de 2011

o cORAÇÃO dAS tREVAS

Uma das obras literárias mais influentes de todos os tempos ganha edição bilíngue

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE

Ainda menino, o escritor anglo-polonês Joseph Conrad contemplou o mapa e decidiu, um dia, visitar as profundezas da então inexplorada África. Marinheiro na mocidade, em 1890 o escritor levou a cabo a promessa.

Destino: o Congo, no centro-oeste do continente.

Parte considerável dos romances de Conrad – tal qual as grandes obras do chamado "cânone ocidental" (Moby Dick, de Herman Melville, e Relato de Arthur Gordon Pym, de Edgar Allan Poe) – tem no mar sua abissal "personagem".

O Coração das Trevas, que agora ganha inédita versão bilíngue, porém, navega por vias fluviais. Pela voz do aventureiro Charles Marlow, seu alter ego, o escritor conta magistralmente uma história dentro da história.

Navegando pelas águas do mítico Rio Congo, a missão de Marlow é achar o paradeiro do senhor Kurtz, comerciante de marfim sumido no selvagem coração africano.

É o enredo-base "furtado" pelo cineasta Francis Ford Coppola, a partir do qual o cineasta filmou o inquietante Apocalypse Now, de 1979.

Célebre pela atuação de Marlon Brando como Kurtz, o filme transpôs a congolesa narrativa para o infernal território da Guerra do Vietnã. Não à toa, o livro é tido como uma das maiores obras da literatura universal.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

dOC rESGATA o cARISMA mAGNÉTICO dE lULA cÔRTES

POR PEDRO BRANDT - CORREIO BRAZILIENSE

Zé Ramalho se apresenta hoje em Brasília, no Açougue Cultural T-Bone. No repertório, músicas como Avohai, Frevo mulher, Admirável gado novo e Chão de giz, que ajudaram a fazer o nome do cantor paraibano a partir do final dos anos 1970.

O que muitos de seus fãs não sabem é que, anos antes, Zé já estava na ativa e tinha até gravado disco, o mítico Paêbirú, parceria com Lula Côrtes.

O álbum virou tema de documentário. Zé não quis participar (Paêbirú é um assunto que ele evita), mas aprovou sua produção. Lula Côrtes morreu sem assistir Nas paredes da pedra encantada, longa-metragem que investiga esse que é um dos mais raros discos brasileiros.

O LP duplo Paêbirú - Caminho da montanha do sol (1975) é o primeiro disco a levar na capa o nome do compositor de Avohai. Músico, poeta e artista plástico pernambucano, Luiz Augusto Martins Côrtes morreu em 26 de março, aos 61 anos, em decorrência de um câncer na garganta.

O filme ganhou sua primeira exibição pública em 30 de abril, em São Paulo, dentro da programação do In-Edit Brasil — 3º festival internacional do documentário musical.

Lula morreu em 26 de março, pouco mais de um mês antes da primeira exibição do documentário.

O Correio teve acesso ao filme (em uma versão ainda não definitiva, sujeita a ajustes), dirigido por Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim. O documentário, além de abordar a feitura do disco - conversando com vários dos envolvidos, como o cantor Alceu Valença, o cartunista Lailson de Holanda, o artista plástico Raul Córdula e a cineasta Katia Mesel - tem na figura de Lula seu fio condutor.

E não teria como ser diferente. Com um carisma magnético, ele rouba a cena.

Rodado nas cidades pernambucanas de Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Recife, e nas paraibanas João Pessoa e Ingá do Bacamarte, Nas paredes da pedra encantada é um road movie que captura muito do espírito da época em que o disco foi feito, em plena efervescência do udigrudi pernambucano.

Produzido com dinheiro do próprio bolso dos diretores (orçado em aproximados R$ 30 mil), o filme acompanha Lula de volta até a Pedra do Ingá, sítio arqueológico onde se encontram as misteriosas inscrições rupestres que inspiraram as letras do álbum — que apresenta em suas músicas uma rica combinação de ritmos nordestinos e rock psicodélico.

As premissas dos diretores resultaram em vários planos sequência, longos e detalhados depoimentos, que passeiam por temas como ecologia, arqueologia, contracultura, música e lisergia, permitindo ao espectador entrar na história sem pressa.

"Queríamos que o filme respirasse, fugisse de edições frenéticas, de ritmo videoclíptico. E que tudo nele fosse novo, sem imagens de arquivo — até porque elas não existem —, mostrando o que a gente viu", conta o jornalista gaúcho radicado em Brasília Cristiano Bastos.

"A ideia não era apenas entrevistar, mas olhar as pessoas. Como o Pennebaker em Don't look back, filmando detalhes dos personagens, um filme observador", emenda o carioca Leonardo Bomfim, mestrando em comunicação morando em Porto Alegre, em referência ao documentário do diretor americano que captura Bob Dylan em 1965.

REGISTRO VÍVIDO - Em alguns momentos, a limitação financeira da produção surge na tela, mas isso não interfere em seu encanto justamente pela riqueza das imagens e das falas dos personagens. Há depoimentos divertidíssimos, como Lula contando como pediu Katia (sua mulher na época) em casamento ou o avistamento de elefantes em pleno sertão paraibano.

Em Ingá do Bacamarte, onde se localiza a pedra, os moradores dão versões ingênuas e hilárias para a origem das inscrições. Além da natureza, a música exerce grande força no documentário. O próprio Paêbirú serve de trilhas sonora, mas foram feitas cenas musicais exclusivas.

Em uma delas, Lula e seu tricórdio (espécie de cítara popular marroquina, instrumento que ele dominava e está por todos os quatro lados do LP) acompanham, em espontânea sintonia, Alceu Valença em uma música inédita do compositor de Tropicana e Coração bobo.

Em um dos depoimentos, Lula fala sobre o futuro, a vontade de construir uma nova casa no terreno que ganhara de um amigo. O músico se foi, mas permaneceu seu legado. E com Nas paredes da pedra encantada, permanece também um registro vívido desse incrível personagem da música brasileira.

Assista um teaser do filme:

terça-feira, 10 de maio de 2011

uNIDOS vENCEREMOS?*

Frente relançada no Congresso Nacional reúne políticos e artistas em torno de uma única batalha: lutar por melhores condições para a cultura no Brasil

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

A produção cultural brasileira, tem "dimensões continentais". É, provavelmente, a mais caudalosa do mundo. Contudo, o domínio da cultura chega historicamente empobrecido ao nosso tempo. Sobram talentos, mas faltam recursos.

E, para agravar, o acesso é restrito. Segundo pesquisa encomendada em 2008 pelo Ministério da Cultura (MinC) ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a esmagadora maioria dos brasileiros vive excluída das atividades culturais.

Apenas 14% da população vai ao cinema, por exemplo; 93% dos brasileiros nunca foram a uma exposição de arte. Ainda de acordo com o estudo, 90% dos municípios não possuem cinemas, teatros, museus ou centros culturais.

Nos últimos governos, o setor ganhou certa relevância, embora o MinC ainda precise fazer milagre com aquele que é o segundo menor dote orçamentário da União - a Cultura fica atrás apenas do Turismo, a mais empobrecida das pastas ministeriais.

Para 2011, o Congresso Nacional havia aprovado R$ 2,9 bilhões ao setor, porém, com a tesourada da presidente Dilma Rousseff, que cortou R$ 50 bilhões da receita, o recurso encolheu para R$ 1,5 bilhão.

É diante dessa complexa realidade que a Frente Parlamentar Mista da Cultura, relançada em abril no Congresso Nacional, vai se deparar em sua nova magistratura.

Criado em 2007, o colegiado tem caráter suprapartidário e reúne 250 parlamentares e senadores vindos de todos os partidos políticos (tanto do lado do governo quanto da oposição), além de artistas, produtores culturais e representantes da sociedade civil.

Presidida pela deputada fluminense Jandira Feghali (PCdoB/RJ), a Frente da Cultura renasce com o árduo desafio de encaminhar propostas que nortearão as prioridades da área - dentre as quais, temas polêmicos, como a revisão da Lei de Direitos Autorais, a substituição da Lei Rouanet pelo programa Procultura, a criação do "Vale-Cultura" e a preservação do programa Cultura Viva.

De saída, Jandira, ela própria "ex-artista" (na juventude, foi baterista da banda Los Panchos Villa, do irmão Ricardo Feghali, integrante do Roupa Nova), criticou o fato de o segmento deter escassos recursos e, como de praxe, ser o primeiro atingido pelas contingências.

"O pouco dinheiro dado à cultura é um problema crônico, vem de décadas. Da época em que não era prioridade de nenhum governo", ela protesta. A falta de infraestrutura, por sua vez, surge como velho e conhecido contexto: "Não há investimentos significativos há muito tempo".

Leia na íntegra.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

nAS pAREDES nA bRASA!



Confira o programa que foi ao ar ontem na MTV onde o diretor Leonardo Bomfim fala sobre o filme Nas Paredes da Pedra Encantada. O programa Na Brasa é apresentado pelo cantor pernambucano China (ex-Sheik Tosado).

quinta-feira, 28 de abril de 2011

fILME iNVESTIGA aS vIAJENS dE pAÊBIRÚ

Disco criado por Zé Ramalho e Lula Cortes em 1974 é o mais raro do país. Brigado com Cortes há anos, Ramalho não quis dar depoimento ao documentário, mas liberou uso das canções

MARCUS PRETO - ILUSTRADA (FOLHA DE S. PAULO)

Mais que um simples road movie, "Nas Paredes da Pedra Encantada", que estreia no sábado, dentro da programação do festival In-Edit, é uma "viagem sobre uma viagem sobre uma viagem". A definição é dos próprios realizadores, Cristiano Bastos e Leonardo Bonfim.

Em busca de investigar a feitura do mitológico álbum "Paêbirú" (1975), de Lula Cortes e Zé Ramalho, a dupla percorreu o interior da Paraíba até a Pedra do Ingá, sítio arqueológico rodeado de lendas que inspirou o trabalho.

Essa é a terceira viagem a que os diretores se referem. A primeira foi a que Cortes (1950-2011) e Ramalho fizeram à mesma pedra em 1974, à procura de inspiração para compor o álbum. Dormiram ali, ao relento, muitas e muitas noites -no filme, Lula fala em 12 visitas ao local.

Aos pés da pedra, os músicos colheram cogumelos alucinógenos, fizeram fogueira, usaram LSD. A segunda viagem é, portanto, psicodélica.

"No projeto original [do filme], Lula queria que todos da equipe tomássemos um LSD puro", diz Cristiano Bastos. "Queria nos levar à Pedra repetindo a experiência na íntegra. Isso, é preciso dizer, acabou não acontecendo."

Criado sob esse clima alucinado, o LP "Paêbirú" acabou por se tornar uma das peças mais importantes do rock psicodélico brasileiro - "legitimamente brasileiro", aliás, como lembra Bastos. "Os caras foram buscar a psicodelia numa lenda indígena, não nos elfos ingleses."

O que deu ainda mais potencial mitológico ao trabalho foi seu trágico destino. Poucos dias depois de ser prensado, ainda no estoque da gravadora Rozenblit, uma inundação destruiu mil das 1.300 cópias existentes.

Isso tudo o torna o vinil mais raro do Brasil, nunca custando menos de R$ 5 mil.

Lula Cortes morreu no começo deste ano. E é em torno dele que o filme gira. Entram em cena também outros envolvidos no álbum, como o fotógrafo Fred Mesel, a capista Kátia Mesel e alguns músicos, como Alceu Valença.

Zé Ramalho, no entanto, não dá depoimento algum. Coautor do álbum em questão, ele não quis ter sua imagem no documentário.

"Ele e Lula estavam com relacionamento cortado há muito tempo", explica Bastos. "Zé me liberou completamente para usar as músicas no filme. Só não queria imagem dele. Que diabos levaram às rusgas dos dois não nos interessou tanto. Não quisemos evidenciar o viés de uma picuinha dentro de uma história tão bonita."

NAS PAREDES DA PEDRA ENCANTADA
DIREÇÃO Cristiano Bastos e Leonardo Bonfim
PRODUÇÃO Brasil
QUANDO sábado, às 19h
ONDE Cine Olido (av. São João, 473, tel. 0/xx/11/3331-8399)
CLASSIFICAÇÃO não informada

segunda-feira, 11 de abril de 2011

dO jEITINHO dELA*

Estilo próprio, rigor e pragmatismo determinam os 100 primeiros dias de Dilma Rousseff na presidência

POR CRISTIANO BASTOS E RODRIGO ALVAREZ - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

Dilma Rousseff misturou todos os ingredientes da sua "omelete presidencial" direto na frigideira e respondeu à apresentadora Ana Maria Braga sobre as perspectivas do crescimento econômico para seu governo:

"O nosso objetivo é fazer com que a economia continue crescendo de forma estável, sem que a inflação volte".

De repente, ela interrompe a própria fala: "Tô achando que tá muito baixo esse fogo, hein?"

A escolha da primeira aparição da presidente em um programa de televisão voltado ao público feminino não foi por acaso.

Dilma falou sobre sua preocupação com o poder aquisitivo da população conquistado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e mandou uma indireta para quem reclamava do reajuste do salário mínimo para R$545:

"Quando não tem, nós não damos. Quando tem, nós damos. Então, garantimos... Pera lá, dona Ana Maria", ela interrompe. A petista olha para a frigideira, se concentra e termina de preparar o quitute. "Não tá ficando bom, não, porque estou conversando", completou, antes de apagar o fogo.

A apresentadora e o fiel escudeiro, Louro José, enfim provaram a omelete presidencial: adoraram. Os dois atribuíram o "gostinho diferente" ao bicarbonato de sódio que a presidente incorporou à receita - para deixar o prato "mais fofinho", mas que também notoriamente contribui para estufar o estômago.

Dilma assumiu a presidência da República debaixo de chuva forte, desfilando a bordo de um Rolls-Royce fechado. E, no "frigir do ovos", o fato pôde servir como metáfora para o estilo discreto da petista no governo.

Mas, passados 100 dias no comando, aos poucos ela encontra seu jeitinho de cozinhar - ou melhor, de governar. E, é preciso dizer, até agora sem a paternal intromissão de Lula, que não descumpriu a promessa de deixar a sucessora "trabalhar tranquila".

"Rei morto, rei posto", declamou o "ex".

Nesses três meses, a aprovação de Dilma, inclusive, já igualou os índices obtidos por Lula nos primeiros meses de seu último mandato, em 2006. Lembrando também que ela tem pela frente três reformas muito aguardadas: política, tributária e previdenciária.

Sem se deixar levar por frívolas politicagens, a presidente vem surpreendendo por sua capacidade de ser objetiva.

*Mais na Rolling Stone 55, nas bancas!

terça-feira, 5 de abril de 2011

uM pAÍS eM oBRAS

Comissão liderada por ex-presidentes da República tem como missão tornar realidade a prometida reforma do sistema político brasileiro

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

O ano em que a tão aspirada reforma política deverá descer do púlpito para, enfim, ganhar vida prática no dia-a-dia dos eleitores também celebra uma efeméride que revela o quão sonolenta vem sendo sua realização.

De acordo com estudo feito pela Câmara dos Deputados, desde 1991, foram recebidas 283 propostas de alteração do sistema político, entre projetos de lei e tentativas de emenda à Constituição.

A análise de tais propostas arrasta-se, portanto, em legislaturas que somam 20 anos.

Atraso que, sobretudo, se deve à "falta de consenso" nos debates do Congresso Nacional. Para o eleitor, o processo deverá trazer maior correspondência entre duas pontas: sua vontade na hora de votar e o resultado final nas urnas.

Apesar de tardia, a reforma política é festejada como "mãe de todas as reformas". Reformaria, antes de tudo, os próprios reformadores. Razão que, por outro lado, explica sua lentidão em acontecer de fato.

Todavia, prósperos ventos sopram a favor da reforma política com o fôlego de um Congresso renovado e o apoio dos chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A presidenta da República, Dilma Rousseff, e o presidente do Senado Federal, José Sarney, elegeram a reforma como prioridade em seus mandatos.

A "vassourada" inaugural foi dada pelo Senado, que, em fevereiro, instalou a Comissão de Reforma Política, que nasce com o desafio de cimentar um consenso até hoje não encontrado sobre as propostas em debate.

A "comissão de frente" da reforma, escolhida a dedo pelo próprio Sarney, conta com a vivência política de oito ex-governadores e dois ex-presidentes - os atuais senadores Fernando Collor de Mello (PTB/ AL) e Itamar Franco (PPS/MG).

Presidido por Francisco Dornelles (PP/RJ), o colegiado também é integrado por senadores como Aécio Neves (PSDB-MG), Demóstenes Torres (DEM-GO) e Roberto Requião (PMDB-PR).

Na escalação do "time feminino", estão as senadoras Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Lúcia Vânia (PSDB-GO) e Ana Rita Esgário (PT-ES).

Sarney justificou que seu critério de escolha fundou-se puramente em "experiência política".

"É primordial que todos os membros da comissão deixem de fazer as contas sobre o que é melhor para seu partido e para seu projeto pessoal e pensem no que é melhor para o Brasil", define Aécio Neves, que também defende o fim das coligações partidárias.

De acordo com o senador tucano, esse parece ser um ponto comum entre os parlamentares.

"Até porque esse é um sistema que desfigura o processo representativo. Ou seja, quando um eleitor vota num determinado candidato e elege um candidato de um partido que atuará de forma absolutamente distinta daquele no qual ele votou."

Na primeira reunião da comissão, 11 temas receberam o selo "prioritário" - entre eles, sistema eleitoral, financiamento de campanha, regras para coligações entre partidos, fidelidade partidária, voto facultativo e reeleição.

O mais fundamental dos desafios, ponderou Sarney, no entanto, será encontrar um modelo alternativo à atual forma de eleição de deputados e vereadores.

Ele sugere a adoção de uma fórmula mista. Ou seja, que combine votação majoritária (na qual o mais votado é eleito) com a proporcional (votos obtidos pelo partido ou coligação, os quais determinariam o resultado).

"A mudança no sistema proporcional resolveria cerca de 60% do problema", contabiliza Sarney.

Agora, a missão do colegiado, no prazo de 45 dias, é apresentar à sociedade um anteprojeto de reforma política.

O ex-presidente Fernando Collor de Mello deixou a presidência da Comissão de Infraestrutura – e na qual, curiosamente, deu lugar ao seu algoz nos tempos de "Fora Collor!", o senador Lindberg Farias (PT-RJ) –, para encabeçar a atual comissão.

Collor pretende reavivar no Brasil o debate sobre a instituição do sistema parlamentarista de governo - de sua autoria, inclusive, há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 31/07). O senador também se declara favorável a questões como financiamento público e redução dos custos de campanha e fidelidade partidária: "São todas medidas parlamentaristas", diz Collor.

O senador Itamar Franco, por sua vez, defende o fim da reeleição para cargos majoritários, a exemplo do cargo de Presidente da República.

De acordo com Franco, presidente da República de 1992 a 1994, o pressuposto da reeleição atenta contra a ordem constitucional brasileira. Ele também critica os partidos políticos, os quais chama de "estrutura viciada" onde "quatro ou cinco dirigentes mandam".

"Uma hora alguém não gosta mais de sua cara ou de sua atuação e você perde totalmente o espaço. É um absurdo", diz, com indisfarçável sinceridade.

Essa não é a primeira vez (nem deverá ser a última) que ocorrerá uma reforma política no sistema político brasileiro. Nessas duas décadas, desde que a ideia começou ser debatida, alguns avanços surtiram efeito.

Até agora, a maior conquista foi a moralizadora "Lei da Ficha Limpa", cuja aprovação contou com as redes sociais da internet como grande aliada. Os cientistas políticos, contudo, mostram-se descrentes quanto à prioridade que a reforma terá na agenda dos dirigentes da Nação.

Na avaliação de especialistas, desde 1988 (quando a Assembléia Nacional Constituinte consolidou a recém implantada democracia brasileira), o Brasil inegavelmente progrediu em muitos campos – em especial, no social e no econômico.

Politicamente, porém, o País estancou.

O vigente sistema eleitoral é, inclusive, condenado pelos eleitores, que fazem suas escolhas pessoais, mas, de maneira geral, ficam surpresos com o resultado final das votações.

A despeito dessa desconfiança, a turma de senadores que engrossa a Comissão da Reforma Política jura que não costurará apenas "remendos normativos": eles prometem a inteira renovação do sistema político brasileiro.

Porém, no entendimento de Octaviano Nogueira, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), os políticos farão somente o que sempre fizeram: proselitismo em causa própria. "Vão fazer um remendo aqui e outro ali, para atender a interesses particulares. Mas não vão mudar o sistema".

Como essencial pilar da reforma, Nogueira cita o voto facultativo – o qual, assim como nas grandes democracias – deveria deixar de ser obrigatório: "Isso, sim, seria 'reforma política', pois diria respeito aos interesses do cidadão", ilustra.

Em sua estreia no Congresso Nacional, Dilma Rousseff voltou a reforçar que a reforma política, que não caminhou nos oito anos do governo Lula, é uma de suas prioridades. Em plenário, entretanto, a presidenta arrancou risos da plateia quando anunciou que trabalhará "em conjunto com a agenda do Congresso" para garantir o andamento do processo.

Dilma se diz, por exemplo, contra as doações ocultas em campanhas eleitorais (quando empresas privadas doam recursos sem identificarem-se na prestação de contas). "Sou a favor de doações explícitas e transparentes", ela diz.

"Os eleitores têm direito de saber quem doou para quem."

Já José Serra, adversário de Dilma em 2010, defende que os candidatos "apresentem-se como são".

Uma das bandeiras hasteadas pelo candidato derrotado à presidência trata do fim daqueles que ele apelida de "candidatos-sabonete", ou, em suas próprias palavras, "políticos vendidos como se fossem novos produtos de consumo".

Conforme dados da ONG Reforma Política Já, cada pleito eleitoral custa aos cofres públicos por volta de R$ 900 milhões. Segundo estudo de 2008 da mesma instituição, 20% dos deputados (estaduais e federais) abandonou suas atividades para dedicar-se exclusivamente a campanhas para prefeituras (aqueles que não se elegeram, posteriormente retornaram ao conforto dos antigos cargos).

Diante da explícita "balbúrdia pública", o efeito mais desejado da reforma política é, sem dúvida, o moralizador. O anseio por mudanças é grande e extravasa as cercanias da Esplanada dos Ministérios. Engajados no "Movimento Reforma Política Já", enfileiram-se artistas como o ator Milton Gonçalves, a atriz Débora Falabella, a banda Jota Quest e o cartunista Ziraldo.

Gonçalves, um dos mais engajados, defende que reformar seria uma das maneiras mais eficientes para reverter a corrupção que assola o Brasil. "Ninguém deve ficar de fora. Precisamos da participação de toda a sociedade", decreta o ator.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), igualmente, é uma das maiores apoiadoras da necessidade da reforma. Dom Geraldo Lyrio Rocha, presidente da CNBB, opina que a mudança não pode ocorrer somente dentro gabinetes: "A vontade do povo, sobretudo, deve ser levada em consideração. A Reforma Política é uma 'dívida' que o Congresso tem para com o Brasil".

Um dos pontos mais polêmicos da reforma política é a adoção do sistema majoritário para a eleição de deputados, medida que findaria com os chamados "puxadores de votos".

Tanto que a proposta, irônica e apropriadamente, ganhou apelido de "Lei Tiririca": ela impediria a repetição do fenômeno provocado pela eleição do deputado federal que recebeu 1,35 milhão de votos e, tal qual um "milagre da multiplicação", ajudou a eleger candidatos bem menos votados.

A "Lei Tiririca" tornaria inúteis as coligações partidárias nas eleições proporcionais e, de quebra, geraria imediato efeito colateral.

Há quem não acredite, porém, na remissão do sistema. No livro Nervos de Aço, franco raio-x da política brasileira, o ex-deputado Roberto Jefferson (denunciante e confesso agente do "mensalão") escreveu:

"O sistema político brasileiro é um círculo vicioso sem fim. Rouba-se para financiar campanhas eleitorais e conservar-se no poder".

"O que fazer para viabilizar uma reforma que afeta tantos interesses, inclusive os dos próprios parlamentares?", questiona a ex-senadora e ex-candidata a presidente Marina Silva (PV/AC).

Ela pontua que o Brasil precisa de um "realinhamento histórico", pois "só assim a reforma política sairá do papel". Assim, a tão desejada reforma independeria de políticos e poderia ser iniciada pelas escolhas feitas pelos próprios eleitores.

Dentre as quais, Marina sugere eleger parlamentares minimamente comprometidos com outras reformas importantes, como a tributária e a da previdência.

"As pessoas não devem escolher um representante esperando que ele vá se transformar em 'príncipe encantado' da noite para o dia. Também não adianta ficar beijando o 'sapo' na boca para ver se vira príncipe. Não dá certo", ela metaforiza, citando em seguida qual seria a "única saída" para o eleitor:

"Escolher o candidato certo. E, sem preconceito com o sapo, que sou ambientalista."

segunda-feira, 4 de abril de 2011

rEVISTA tRIP: nA tRILHA dO pAÊBIRÚ

Nas Paredes da Pedra Encantada estreia com história mística do disco mais caro do Brasil

POR FILIPE TAVARES - SITE DA TRIP

Em produção desde 2008, o filme Nas Paredes da Pedra Encantada finalmente tem uma data de estreia definida. O documentário de Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim, que conta a mística história por trás da obra-prima de Lula Côrtes e Zé Ramalho, a pérola psicodélica Paêbirú, finalmente chega às salas de cinema na edição 2011 do festival In-Edit, que rola de 28 de abril ao dia 12 de maio nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Conversamos com Cristiano Bastos, co-diretor do filme, para falar sobre a produção do documentário que sai depois de uma infeliz coincidência: a morte do cantor, compositor e pintor Lula Côrtes.

Personagem central da história, Lula deixou órfãos milhares de fãs ao redor do mundo no último sábado (26), em um leito no hospital Barão de Lucena, em Recife, vítima de um câncer na garganta que combatia nos últimos cinco anos.

Nascido de uma grande reportagem que o diretor fez para a Rolling Stone, o embrião de Nas Paredes da Pedra Encantada foi alimentado pelo próprio Lula, que se responzabilizou em guiar essa viagem de volta à mística Pedra do Ingá.

"Quase tudo foi feito por conta dessa lenda de Sumé, que perpassa todo o disco. A Pedra do Ingá do Bacamarte, que influenciou o disco também, foi um dos caminhos que o índio Sumé teria passado em fuga dos índios Tupinambá. Por isso seria Paê-beru (em Tupi, Caminho ao Peru). É o caminho que o índio percorreu a pé até o Peru", explicou Cristiano. "É um disco que tem muito valor financeiro, é verdade. Mas mais do que isso. Esse disco tem muito valor cultural. É uma das primeiras manifestações da psicodelia realmente brasileira, com temas verdadeiramente brasileiros."

E o valor financeiro não é pouco não. Devido a uma enchente que varreu Recife em 1975, apenas 300 cópias do disco sobreviveram, de 1300 produzidas. Com isso, essa pequena pepita da música psicodélica nacional pode chegar até R$ 5.000 no mercado dos colecionadores. Isso se você encontrar alguém disposto a vender.

"Há um tempo atrás eu cheguei a ver gente no Orkut vendendo só os vinis, sem as capas e sem nada. Gente que achou o disco no meio de um terreno e vendeu só os vinis, do jeito que estavam, por mais da metade do preço de coleção", conta Cristiano, mostrando um pouco dessa fixação que o disco provoca nas pessoas.

Mas nada tão mesquinho quanto dinheiro pode medir o verdadeiro valor de Paêbirú. A obra definiu toda uma geração de músicos e compositores nordestinos, apropriando-se e ampliando tudo aquilo que a Tropicália trouxe para a música do Brasil na década anterior.

Sem saber, a viagem transcedental de Zé Ramalho e Lula Côrtes foi ecoar 35 anos depois do seu lançamento muito além da linha do Equador, sendo relançado nos Estados Unidos e alimentando as mentes de uma nova safra de bandas do folk psicodélico da geração New Weird America (Noah Georgeson, Bon Iver, entre outros).

"A última vez que eu falei com o Lula, por incrível que pareça, foi pelo Gtalk. E eu nem sabia que ele usava a internet. E ai ele me mandou uma mensagem perguntando: 'e aí Cristiano? Não vai lançar esse filme, porra?", revela Cristiano, divertindo-se com a surpresa de ver um mestre da cultura de raiz navegando na internet. "Ele ainda brincou, perguntando se depois de tanto trabalho não ia ver o filme lançado. Tive que rir né? E o pior é que ele estava certo."

Triste com a morte do cantor, Cristiano ainda comentou sua relação pessoal com Lula nos três meses que passou entre Pernambuco e Paraíba, coletando depoimentos da imensa maioria das pessoas envolvidas no projeto.

Durante esse período, o diretor pode desfrutar da hospitalidade e da companhia de Lula em seu ateliê na região de Jaboatão dos Guararapes, onde conviveu não só com o compositor, mas também com o artista plástico Lula Côrtes.

"Eu tive a chance de passar um bom tempo com ele. Sabe quando você fica tentando absorver a inteligência de uma pessoa? Então. Ele era um cara muito vibrante.Você quer conversar com ele. Quer estar sempre perto dele. Sempre conversando pra extrair aquele conteúdo e toda aquela consciência artística que ele tinha", emociona-se o diretor. "Pior é que a gente ia comprar a passagem dele pra São Paulo nesta segunda (28), mas infelizmente... não foi possível."

ESTREIA NO IN-EDIT - A terceira edição do Festival Internacional do Documentário Musical, o In-Edit, será o palco da estreia de Nas Paredes da Pedra Encantada nas telas de cinema do Brasil.

O festival começa em São Paulo no dia 28 de abril e vai até o dia 8 de maio. No dia 6 de maio serão as primeiras sessões no Rio de Janeiro.

Na cidade maravilhosa, o In-Edit 2011 segue até o dia 12. Segundo a assessoria de imprensa do festival, a programação completa deve sair ainda nesta semana.

A estreia oficial do documentário será no Cine Olido, no coração do centro de São Paulo, no próximo dia 30 de abril. Com Lula como guia da viagem, o filme conta com depoimentos de Alceu Valença (que canta com Lula uma música inédita de sua autoria); de Hugo Leão, velho parceiro de Zé Ramalho, que tocou o marcante órgão Farfisa na canção 'Nas Paredes da Pedra Encantada"; da cineasta Katia Mesel, ex-esposa de Lula, que participou da concepção e gravação de Paêbirú; de Raul Córdula, antropólogo paraibano que apresentou a Cortês e Ramalho em 1975 a Pedra do Ingá, que influenciou a criação do álbum; além do cartunista Lailson de Holanda, parceiro no disco Satwa, que precedeu Paêbirú e é tão raro quanto hoje em dia. Zé Ramalho não quis gravar entrevista mas sua presença é marcante no documentário.

Segundo o próprio Cristiano, o processo de captação foi rápido e bastante abrangente.

"A produção foi uma coisa bem punk. Eu e o Leonardo resolvemos fazer e dissemos: 'então vamo fazer essa porra'. A gente não quis esperar pra ficar captando, então ninguém se perde em devaneios e digressões. Então a gente decidiu e foi. Eu morei três meses em Recife, mais entre Recife e a Paraíba", explicou Cristiano. "A gente gravou no estúdio do Lula em Jaboatão dos Guararapes, em Ingá do Bacamarte, onde fica a Pedra do Ingá ou Pedra Lavrada, onde tem aquelas inscrições pré-históricas que até hoje ninguém sabe o quer dizer. Além da casa do Alceu Valença e muitos outros lugares."

Nas Paredes da Pedra Encantada é o primeiro filme da dupla Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim e já é um dos lançamentos nacionais de 2011 que você não pode perder.

Abaixo, você vê o trailer do filme.

Não deixe de assistir para entender um pouco mais da história e da mística por trás do mais caro vinil brasileiro e desse disco seminal da nossa música popular.

quarta-feira, 23 de março de 2011

eNTREVISTA: eU

POR LAFAIETE JR - PROGRAMA AUTO-FALANTE

Lançado em 2001, o livro Gauleses Irredutíveis: Causos e Atitudes do Rock Ggaúcho transformou-se de imediato em uma espécie de primo do já clássico Mate-me Por Favor: uma história sem censura do punk, de Legs McNeil e Gillian McCain, só que sobre o rock produzido no Rio Grande do Sul.

Escrito por Alisson Avila, Cristiano Bastos e Eduardo Müller, Gauleses irredutíveis apresenta entrevistas com mais de 160 pessoas envolvidas com o rock gaúcho, entre jornalistas, produtores e, claro, músicos recontando 40 anos de rock no estado.

Atualmente o livro virou uma espécie de lenda e não é fácil de ser encontrado para venda – e ainda não existe previsão de lançamento de uma segunda edição.

Hoje, dez anos depois do lançamento do livro, a revista Aplauso aproveita o gancho de uma matéria ("Por Favor, Sucesso!") escrita pelo jornalista Cristiano Bastos (um dos autores do livro Gauleses irredutíveis), e coloca no "mercado" a coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso.

A coletânea, que é dividida em dois volumes (cada um com 30 músicas) mais um com faixas bônus (com 10 músicas), está disponível para download gratuito e traz músicas em versões oficiais, acústicas, demos e ao vivo.

Muitas vezes com qualidade de áudio nem tão boa, claro. Mas vale levar em consideração mais o caráter de registro histórico da coletânea. Deleite para iniciados e didática para iniciantes.

Liverpool, Os Brasas, Bixo da Seda, Astronauta Pinguim, Bidê ou Balde, Procura-se Quem Fez Isso, DeFalla, Pública, Video Hits, Cachorro Grande, Superguidis e Júpiter Maçã são alguns dos nomes que marcam presença na coletânea, produzida com a intenção de "atingir o coração e os ouvidos das pessoas", segundo Cristiano Bastos, responsável pela curadoria musical da compilação.

Se o livro Gauleses irredutíveis: causos e atitudes do rock gaúcho tem como primo famoso o livro de Legs McNeil e Gillian McCain, a coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso pode ser vista como prima made in Brazil da clássica Nuggets: Original Artyfacts from the First Psychedelic Era, coletânea lançada no início dos anos 70 pela gravadora Elektra Records.

Cristiano Bastos até a cita no encarte do álbum virtual como uma referência para Gauleses Irredutíveis: "Fazemos votos de que esta tentativa possa ser, ao menos em espírito, nosso Nuggets".

Tivemos um bate papo com Cristiano Bastos a respeito da coletânea. E se você quiser iniciar o download de Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso antes de ler a entrevista, o caminho é este aqui.

Como surgiu a ideia da coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso?

O insight para a coletânea surgiu com a reportagem de capa que escrevi para a revista Aplauso "Por Favor, Sucesso!", cuja abordagem é um debate mercadológico, no estilo "longe demais das capitais", sobre o rock no Rio Grande do Sul e todas as suas históricas peculiariedades, no que diz respeito ao resto do Brasil. Calhou de o livro Gauleses Irredutíveis – Causos e Atitudes do Rock Gaúcho, que apurei com os jornalistas Alisson Avila e Eduardo Müller, em 2001, está fazendo dez anos este ano. A obra (trabalho de investigação jornalística realizada com 167 músicos, jornalistas e produtores culturais, que enfoca 40 anos de história da música pop gaudéria), está com sua edição esgotada há muitos anos. A procura pela obra, porém, é grande. Recebo e-mails dos mais distantes recantos do País me perguntando sobre uma nova edição do livro. É fácil, igualmente, deparar-se com gente procurando pelo livro na internet – sem achá-lo. Dias desses, um amigo disse que achou um exemplar de Gauleses custando R$ 70 num sebo do Rio de Janeiro… Na Internet ele também não é facilmente "achável". O exemplar que tenho comigo, aliás, tive de pegar de minha mãe, pois o meu havia sido roubado por algum espertinho. Sei também de uma porção de histórias de gente que teve seu Gauleses surrupiado. Além de ser uma forma de lembrar essa uma década do livro, a coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso é um presente tanto para o fãs como para as bandas presentes. Sobretudo, como escrevi na apresentação da coletânea, foi uma tentativa de reunir mais de cinco décadas de produção pop gaúcha. Não foi fácil. Pencas de boas bandas ficaram de fora.

O que você espera atingir com a coletânea? E o que espera dela?

Com a seleção que fiz para os três discos, espero atingir o coração e os ouvidos das pessoas. As pessoas, naturalmente, querem "A" coletânea perfeita, assim como esperam pelo livro mais irrepreensível, segundo, claro, seus gostos e critérios de importância. Também sempre procurou-se fugir do óbvio ululante na escolha das músicas. Ou seja, fica aquela sensação, como ocorre em muitas compilações, mesmo as mais respeitosas, de que alguma coisa ficou de fora. Para ambos, livro e coletânea, a resposta é a mesma: um livro ou uma coletânea não são a Bíblia. Não conheço uma coletânea sequer que seja absolutamente "perfeita". Nem os box set's Nuggets, com toda sua exuberância, o são. Mas Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso tem recebido excelentes críticas. O Twitter é um dos termômetros desse feedback.

O que você acha que a coletânea representa para a música do Rio Grande do Sul?

Espero que possa significar "respeito", no sentido de valorizar, através dos tempos, a "protéica" produção de rock no Rio Grande do Sul. Nesses estranhos dias, nos quais arte é mais volátil que gás hélio, ainda faz-se necessário, acredito, que os velhos suportes com os quais o rock nasceu – os circunferentes discos – sejam preservados. Por isso a ideia do trabalho completo, em que os leitores poderiam imprimir a arte, recortar e montar seu álbum em casa. Quase como nos "velhos tempos". Clicar um mp3 ainda não matou a tátil sensação de inserir um disco no compartimento e botar para tocar. É de um erotismo que os computadores, essas frias máquinas, nunca emularão.

Você é responsável pela curadoria musical. Quanto tempo levou para selecionar as músicas? Como foi esse processo?

Demorou cerca de dois meses, tempo levado na apuração da reportagem "Por Favor, Sucesso!". Foi um trabalho divertido e trabalhoso de ser feito, mas muito gratificante. O trabalho compreendeu desde a curadoria das canções que formam os três sets, a apuração envolvendo as canções selecionadas e, depois, escrever a respeito das 70 músicas. Por fim, a formatação das artes gráficas dos discos, feita com a equipe da revista Aplauso.

Depois que a coletânea ficou pronta, alguma banda te mandou música mas não dava mais tempo de entrar?

Não, isso não aconteceu. Rolou de algumas bandas não responderem ao "chamamento" para entrar na coletânea. Outras não enviaram suas músicas a tempo do fechamento.

Por algum motivo ficou alguma faixa de fora que você queria muito que entrasse?

Claro que eu gostaria de ter na coletânea gravações de bandas como Engenheiros do Hawaii e TNT, mas no caso dessas duas, por exemplo, os fonogramas teriam de ser licenciados por grandes gravadoras. Embora a indústria fonográfica esteja falida, é bom não mexer nesse vespeiro, motivo pelo qual todas as 70 músicas presentes na coletânea foram liberadas pelos seus autores. A Graforréia [Xilarmônica], provavelmente, foi a grande banda em falta na coletânea. Foi outra que não atendeu ao “chamado”, infelizmente.

Qual o critério para selecionar as músicas que entraram no "volume bônus"?

O critério foi envenenar ainda mais o “creme” com raridades. Dentre as quais, "Aquarianas da Rua 20", "Cartas de Playground" e "Desconstruções do Acaso", as quais foram pinçadas do ensaio pós-álbuns Sétima Efervescência / pré-Plastic Soda, do Júpiter Maçã. Algumas bandas que cederam seus sons na última hora, como os Telecines, entraram no terceiro volume.

Para você, quais as três músicas mais “lendárias” que entraram na coletânea?

"Adeus, Meu Chiripá", do grupo Rebenque, "Sobre Amanhã", DeFalla e "Lobo da Estepe", Cascavellettes (ao vivo em 1991). A folkezinha "Adeus, Meu Chiripá", do desconhecido grupo Rebenque, foi recuperada do álbum Som Grande do Sul, produzido pelo lendário Airton dos Anjos em 1978, época em que a produção discográfica andava francamente em baixa. Essa nem muitos de meus próprios conterrâneos conheciam… Com exceção do Gordo Miranda [o produtor Carlos Eduardo Miranda], que vibrou quando eu lhe disse que ela entraria na coletânea. O registro de "Sobre Amanhã", remasterizado pelo Flavio Santos, o Flu, não deixa esquecer que o DeFalla, até hoje, é uma das melhores bandas brasileiras de todos os tempos, muito embora muitos torçam o nariz para os feitos musicais de EduK & Cia. No caso de "Lobo da Estepe", para quem adolescia em Porto Alegre no começo dos anos 1990, meu caso, é um déjà vu e tanto. Os Cascavelletes foram, para muita gente no Rio Grande do Sul, um misto de Beatles, por causa da legião de fãs, com Rolling Stones, em razão de suas picardias dentro e fora dos palcos. Em Gauleses Irredutíveis… o registro de "Lobo da Estepe", que emula vocalizes de Simon & Garfunkel, também é lendária. Tem o climão das velhas bootlegs empoeiradas. Na gravação, Flavio Basso, também conhecido pela alcunha Júpiter Maçã, resume para o ensandecido público viamonense: “É muito bom tocar canções da banda quando a gente sente que vocês fazem parte dela”. Há muitas gravações que poderiam levar o timbre "lendárias".

Tem mais algum outro projeto parecido com esse?

Desde o tempo em que [o livro] Gauleses Irredutíveis foi lançado existe a ideia de se fazer um documentário tendo o livro como ponto de partida, obviamente, atualizando-o. Antes, contudo, estou finalizando, com Leonardo Bomfim, o road doc Nas Paredes da Pedra Encantada, que viaja pelas lendas do mítico Paêbirú – Caminho da Montanha do Sol, álbum lançando em 1975 por Lula Côrtes e Zé Ramalho. O filme, que deve estrear em 2011, investiga não só a riqueza musical de Paêbirú, mas também o imaginário particular do interior da Paraíba e o momento psicodélico dos anos 70 na ponte entre Recife e João Pessoa. Depois que terminar essa jornada de “nordestinidade”, voltarei novamente o olhar para o rock do Cone Sul. Assim como foi Gauleses Irredutíveis, tanto a coletânea quanto o livro, um filme que retrate a sempre ardente produção de rock no Rio Grande do Sul precisa ser rodado. A história não pode se perder.

quarta-feira, 2 de março de 2011

pOR fAVOR, sUCESSO!

Fama, arte e reconhecimento: que fenômeno leva bandas gaúchas à paulicéia em busca do desvairado sonho rock-and-roll?

POR CRISTIANO BASTOS - (De São Paulo, Goiânia e Brasília – menos de Porto Alegre)

A mais de 3 mil léguas submarinas, o telefone ringe: de Brasília, capital federal, a ligação soa em algum endereço incerto de Tapes, bucólico recanto irrigado pela Lagoa dos Patos.

Peço por Marco Antônio Figueiredo, vulgo "Fughetti Luz".

Trata-se do pioneiro homem, que, pode-se pontificar, desferiu para o Brasil a "palhetada fundamental" de um cancioneiro pop sul-rio-grandense.

Dos versos "Ouça menina, essa nova música/ Que será sucesso durante um mês", "Por Favor, Sucesso" virou fenômeno entre a magrinhagem setentista gaúcha.

Composto em 1969, o hino do Liverpool leva assinatura do poeta Carlinhos Hartlieb, jovem agitador das concorridas Rodas de Som daquele tempo.

Por Favor, Sucesso


Presentemente, Luz – cuja idade é mistério maior do que ele próprio – faz outro tipo de súplica: "Por favor, me deixem em paz!".

Calejado, antes mesmo que eu me identifique como repórter, o cantor adivinha o mote da prosa. Malfadado, o bate-papo deveria ser a respeito da profusão de bandas gaúchas que batem em retirada para tentar a sorte em São Paulo, centro econômico-cultural do país.

Tal como o Liverpool fez ao pôr o pé na estrada rumo ao Rio de Janeiro 40 anos atrás – quando a fuga tinha no eixo Rio-São Paulo o destino mais cobiçado. Majestade que, de certa forma, os cariocas perderam. A Meca do rock, hoje, é São Paulo.

Em seu intratável, mas divertido, azedume, Fughetti Luz reina ao telefone: "Não quero mais falar sobre o Liverpool, não". A negativa só faz mitificar a reputação de punk por natureza do autor de hits como "Olhai os Lírios do Campo", "Bixo da Seda" e "Trem".

Em 1964, ainda crooner do conjunto Flamboyant, Elis Regina também deu no pé. Do IAPI, em Porto Alegre, direto para o Rio de Janeiro. Atitude rock, sem dúvida. ainda mais para uma mulher cuja arte estava recém começando a amadurecer naquele primeiro ano de chumbo.

Bandas e artistas pop (Os Cleans, Os Brasas, Almôndegas, Hermes Aquino, Rosa Tattooada, Garotos da Rua – e muitos outros), em suas respectivas épocas, nem pestanejaram quando convidados a sair de Porto Alegre.

E, nesse segundo decênio, nossos artesãos do pop, outra vez, estão na crista da onda. Na eleição dos melhores de 2010 feita pela revista Rolling Stone, três álbuns gaúchos aparecem no top 25: Fresno, Superguidis e – ora, veja só – Vitor Ramil.

Afundado num sofá da casa da Pública, a conversa que levo com Pedro Metz, cantor e letrista, versa justamente sobre este ir ou não ir. Na capital paulista, o casarão onde os guris da banda residem, ensaiam e compõem, fica em meio à boemia da Vila Madalena. 

CARA, CORAGEM E ERVA DE CHIMARRÃO - Mas o papo, assim como o rock de agora, muito pouco tem de novo. No gaulês Rio Grande do Sul, historicamente afeito a pelejas de toda sorte, o debate existe desde o dia em que cunharam a alquebrada insígnia "rock gaúcho".

Nos áureos anos 1980/1990 (boom do rock brasileiro, como gostam de chamar), muitas bandas gaúchas dançaram embaladas pelo suingado esquemão bancado pelas grandes gravadoras. Como destino, as selváticas plagas cariocas e paulistas.

Cara, coragem e, no alforje, a erva de chimarrão.

Grande parte dos retirantes, porém, como  bons filhos à casa retornaram. Em 2001, confessa o frontmen da Bidê ou Balde, Carlinhos Carneiro, o conjunto passou por altos e baixos em sua estadia paulista.

Dos mais aplaudidos da cena contemporânea do rock nacional, os guaibenses do Superguidis se apoderam da famosa frase de Dom Pedro II:

"Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que ficamos!",  diz o guitarrista Lucas Pocamacha, parafraseando a História para justificar permanência em terra pampeana. Ainda.

Em solo bandeirante, Pedro Metz ajeita um carreteiro – "só para não perder o costume". Conta que a escolha por São Paulo foi, acima de tudo, profissional.

O perfil macro da cidade pareceu ideal para as ambições criativas da Pública. Louros, inclusive, repousam na "estante de prêmios" dessa (Re)Pública, onde com alta rotatividade recebem visitas de congêneres paulistanos. Como os músicos das bandas Biônica e Rock Rocket.

Entre os troféus, a estatueta arrebatada com o videoclipe de Casa Abandonada na edição de 2007 do Video Music Brasil. “Nos sentimos desafiados a tentar”, ressalta Metz, que arremata: "Não curtimos a situação cômoda que ficar no Rio Grande do Sul representa".

E logo se reconcilia: "Amamos Porto Alegre".

Parceiro de empreitada, o baixista Guilherme Almeida (filho do nativista Iraci Rocha) também discorre sobre o autoexílio. E fala por todos: "A escolha foi importantíssima em nossas vidas".

No caso dele, a brincadeira ainda tem rendido novos sons: além da Pública, Almeida anda enredado em projetos com Martin (guitarrista da banda de Pitty) e com Tita Lima – cantora paulistana que é acompanhada pelo guitarrista Guri Assis Brasil, outro integrante da Pública. 

Agora façamos o favor: o caso desfraldado pela banda porto-alegrense Fresno, estampado em todas as possíveis mídias, merece ser narrado. Em tempos que a indústria fonográfica agoniza em mortal concordata, a façanha conseguida por esses nativos da capital é um admirável triunfo. Autodefinida como "powerpop-rock-shoegaze"...

Mais só nas bancas!

rOCK nA pONTE aÉREA

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

iRREDUTIBILIZANDO

APLAUSO 110 nas bancas...

... e no Portal APLAUSO: 70 músicas do cancioneiro pop-gaudério disponíveis para download, com capa, encarte e informações exclusivas para que o internauta monte seus próprios discos

Na reportagem de capa de APLAUSO 110 ("Por favor, sucesso!"), o repórter Cristiano Bastos revela que nem sempre o Rio Grande do Sul é capaz de suportar o crescimento de artistas locais, especialmente quando se trata de rock-n-roll.

Desde antes dos anos 1960, muitas bandas buscam em São Paulo a fama e as vendas que o mercado gaúcho é incapaz de proporcionar. Estudioso do assunto, Bastos traz à tona um valioso debate mercadológico, ilustrado tanto por histórias de quem recém chegou à capital paulista quanto de quem foi e voltou – como a Bidê ou Balde, capa desta edição.

Para resgatar essa linguagem, APLAUSO também oferece aos seus leitores uma compilação, dividida em dois volumes (e um terceiro de extras), de arquivos históricos do rock rio-grandense. Idealizado e produzido por Cristiano (coautor do livro Gauleses Irredutíveis – Causos e Atitudes do Rock Gaúcho), o álbum Gauleses Irredutíveis Merecem APLAUSO pode ser baixado gratuitamente no site da revista: http://www.aplauso.com.br/.

Para que o leitor monte seus próprios discos, é só imprimir capa, contracapa e encarte (com informações de 70 músicas), desenhado com ilustrações feitas a partir de flyers de artistas e bandas de diferentes épocas do cancioneiro pop-gaudério.

Dos 70 fonogramas editados nesses dois álbuns, alguns são recém gravados, outros são inéditos ou foram colhidos quase diretamente em suas matrizes originais. É o caso de grande parte das canções e álbuns localizados entre as décadas de 1960/1970, cujas mastertapes, até hoje, jamais foram remasterizadas. É o caso de bandas como Os Brasas, Liverpool, Bixo da Seda e Os Cleans. Na medida do possível, Gauleses Irredutíveis Merecem APLAUSO procura coligar nomes que representam diversas “eras” da música jovem gaúcha.

Uma palhinha da coletânea...

Lançado em fita K-7, Último Verão, álbum de estreia de Julio Reny, apresentava o petit hit "Cine Marabá". A canção tocou bem nos primórdios da Ipanema FM, em Porto Alegre, e, tanto quanto, na extinta Fluminense, a "maldita", que irradiava os “venenos” de Niterói, Rio de Janeiro.

"Cine Marabá" é um dos fonogramas cedidos por Reny que foram reunidos na compilação "Gauleses Irredutíveis Merecem APLAUSO", com a qual a revista presenteia seus leitores.

A coletânea traz surpresas de artistas e bandas como Rosa Tattooada, Pupilas Dilatadas, Pública, Loomer, Júpiter Maçã, Os Replicantes, Yanto Latino, Os Cleans, Os Brasas, Conjunto Melódico Norberto Bauldauf e Lovecraft.

"Me Deixa Desafinar", novo single da Bidê ou Balde, é um dos hits do especial. Mimi Lessa, lendário guitarrista do Liverpool e do Bixo da Seda, hoje radicado no Rio, foi responsável pela liberação de duas gemas: uma delas é "Por Favor, Sucesso", o hino que dá nome a esta reportagem.

Outros destaques

El Mapa de Todos, agora no RS - Um dos extras da reportagem de capa de APLAUSO 110 já está publicado no Portal APLAUSO. Trata-se de uma entrevista com Fernando Rosa, editor do site Senhor F (http://www.senhorf.com.br/) e produtor do festival El Mapa de Todos, cuja segunda edição acontece entre 12 e 14 de abril em Porto Alegre. Na entrevista, Rosa faz uma profunda análise do panorama do rock independente sul-americano.

Outra entrevista exclusiva disponível no Portal APLAUSO é com o produtor paulista Leonardo Dias Pereira, que promove em São Paulo o "Urbanaque Apresenta", série de encontros roqueiros organizados pelo magazine eletrônico Urbanaque (http://www.urbanaque.com.br/). Em suas edições, o Urbanaque procura trazer bandas e artistas de fora de São Paulo, assim como do próprio rock.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

cOELHA bRANCA

Algumas pílulas te fazem crescer, outras te fazem encolher. E as que a sua mãe te dá não fazem efeito algum. (Grace Slick)

POR CRISTIANO BASTOS

Cena esquizofrênica do filme Medo e Delírio em Las Vegas, de Terry Gillian: esparramado na banheira louco de pedra, o narcotizado Dr. Gonzo (Benício Del Toro) implora a Raoul Duke (Johnny Depp) para que arremesse o toca-fitas na água quando a canção que ringe dos alto-falantes atinja o clímax.

O comando é imperativo: "Feed your head! Feed your head! – estrofes finais de "White Rabbit", música banida das rádios nortes-americanas, em 1967, por causa da apologia às viagens alucinógenas.

A voz que emposta potência e candura para cantar as aventuras de Alice in Wonderland, após ter lanchado  pílulas psicodélicas, é de Grace Slick, a bela, talentosa e politizada cantora e letrista do Jefferson Airplaine.

Em "White Rabbit", espécie de Bolero de Ravel embalado numa canção de ninar de movimentos circulares, um dos hinos da head music, Grace pincelou tonalidades ainda mais "dietilamídicas" à naturalmente lisérgica obra de Lewis Carrol.

Grace divide a autoria de "White Rabbit" com o irmão, Darby Slick, com o qual ela integrava o Great Society, banda que registrou a música antes do Airplaine.

Os irmãos Slick também assinam "Somebody to Love", peça sonora não menos simbólica que "White Rabbit".

São hits que fulguram no fundamental álbum do Jefferson Airplaine, Surrealistic Pillow, que marca o début de Grace nos vocais da banda da Costa Oeste dos Estados Unidos.

Musa do acid rock de San Francisco, Grace não foi a única fêmea talentosa da cena do rock psicodélico que prevalecia na Califórnia – e no mundo – no auge do Verão do Amor.

Mama Cass e Michelle Phillips (do Mamas and the Papas), Nico e Janis Joplin eram grandes vozes. Mas nenhuma delas juntava, tal Grace, intraduzível beleza, nata habilidade como songwritter e domínio sobre a complicada matemática construtora de canções pop e metricamente perfeitas.

O escritor gonzo Hunter Thompson sempre assumiu o fetiche por Grace Slick. Cansou de afirmar que música, além das estimadas drogas, sempre fora "combustível":

Pessoas sentimentais chamam isso de inspiração, mas o que elas realmente querem dizer é combustível. Isso acontece de novo, e de novo, e cedo ou tarde você é fisgado, e fica viciado. Toda vez que ouço "White Rabbit", estou de volta à meia-noite viscosa de San Francisco, procurando por música, dirigindo uma motocicleta vermelha veloz ladeira abaixo em direção ao Presidio, me curvando desesperadamente nas curvas através dos eucaliptos, tentando chegar ao Matrix a tempo de ouvir Grace Slick tocar sua flauta.

No rock dos anos 1970/1980, é clara a linha condutora que parte do estilo vocal de Grace Slick e influencia outras mulheres do rock: da chata (pra burro) Alanis Morrisete à chata (pra caralho) Dolores O'Riordan, da poetisa punk Patty Smith à runaway Joan Jett, todas reverenciaram – da melhor à pior forma – a força vocal de Grace.

Alcoólatra, vegetariana e defensora dos animais, com o fim do Airplaine Grace Slick encarou a insipidez do Jefferson Starship, cuja formação fora diluída numa enjoativa receita de hard rock ufológico e sintetizadores.

E o que ainda restara do Jefferson Airplaine reduziu-se à corruptela "Starship" e seu rock inofensivo, perfeito para rodar no easy listening boco-moco das rádios adultas.

A beleza e o charme de Grace Slick arrebataram muitos corações.

Apaixonado, o cantor folk Country Joe McDonald compôs a balada "Grace" em seu louvor.

Jim Morrison teve um rápido affair com ela encharcado em bourbon.

Em 1998, Grace confessou que, de todas as pessoas com quem sempre desejara ter um caso amoroso, só faltaram duas: o guitarrista Jimi Hendrix e o ator inglês Peter O'Toole.

Em 1994, após reclamações da vizinhança, um policial vai até a casa de Grace Slick, em Tiburon, Califórnia, conferir o que estava rolando. É surpreendido pela cantora completamente embriagada e por um cano fumegante apontado para sua cara.

A sentença de Grace foi estipulada em 200 horas de prestação de serviços comunitários. Ela também foi obrigada a comparecer aos Alcoólicos Anônimos durante três meses.

Hoje, Grace Slick jura que sua garganta dourada está longe da bebida. Mas o fabuloso canto de antes não se fez mais ouvir como naqueles dias - em que a vida era mais onírica e as cores pareciam vibrar com maior
intensidade.

gRAÇA

jEFFERSON aIRPLAINE lOVES yOU





segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

pSICODELIA à bRASILEIRA

A história do disco mais caro do Brasil, valendo até R$ 5 mil, é investigada em documentário

POR LEONARDO LICHOTE - O GLOBO

Rio de Janeiro - Inscrições rupestres misteriosas, mitos indígenas, boas doses de psicodelia, uma busca para reconstruir as obscuras origens de uma lenda da música brasileira…O roteiro tem elementos que parecem moldados para a ficção, algo como um Indiana Jones lisérgico.

Mas Nas Paredes da Pedra Encantada (visite o blog oficial), filme de Cristiano Bastos e Leonardo Bonfim, é um documentário -  "road doc", como define Cristiano - que investiga a história do raríssimo disco Paêbirú: Caminho da Montanha do Sol, de Zé Ramalho e Lula Côrtes, lançado em 1975.

- Há vários motivos para se falar de Paêbirú - defende Cristiano. - É o disco mais caro do Brasil, sua última cotação está entre R$ 4 mil e R$ 5 mil, o dobro do Louco Por Você, o primeiro de Roberto Carlos (existe uma edição pirata, em vinil, de Paêbirú, lançada na Europa, mas que não vem com o livro que acompanhava o original, trazendo estudos sobre a região e informações sobre a lenda do Caminho da Montanha do Sol). Mais que a raridade, ele é o fundador de uma psicodelia genuinamente brasileira, com elementos da cultura indígena. E sua história tem toda uma mística. Das únicas 1.300 cópias da prensagem original, 1.000 foram perdidas numa enchente em Recife. Nunca vi uma história tão fantástica como a que circunda esse álbum.

Jornalista, Cristiano tomou contato com a fantástica história quando fez uma reportagem para a revista Rolling Stone sobre o disco. Quando percebeu que sua apuração poderia render um documentário, se lançou com Leonardo Bonfim na aventura de tentar reconstituir os fatores que permitiram o surgimento do álbum.

O termo "aventura" não é exagero.

Cristiano morou entre Pernambuco e Paraíba por três meses, investiu dinheiro do seu bolso no filme - atualmente em fase de montagem - e penou para encontrar seus personagens. Mais que isso, quase foi preso durante as filmagens:

- Estávamos na cidade do Ingá do Bacamarte (município da Paraíba onde se localiza a Pedra do Ingá, onde estavam as inscrições que serviram de estopim para o processo criativo que gerou o disco) quando a polícia nos abordou, com vários carros e armas apontadas para nós. Estava havendo uma onda de assaltos a bancos na região, e eles, vendo aquele grupo andando de um lado para o outro e fazendo ligações, acharam que éramos ladrões. Tivemos que ser libertados pelo prefeito, que já sabia do projeto e inclusive colaborou com dinheiro para as filmagens.

O filme - ao qual O GLOBO teve acesso exclusivo - traz entrevistas com personagens como os músicos Lula Côrtes e Alceu Valença (que toca no disco), o arqueólogo Raul Córdula (que apresentou a Pedra do Ingá a Lula e a Zé Ramalho) e a cineasta Kátia Mesel (companheira de Lula então e sócia dele no selo Abrakadabra, que lançou o disco).

As gravações registram muitos momentos musicais espontâneos e até cenas que reforçam as lendas em torno do disco.

- Cada lado do álbum duplo de Paêbirú tem um conceito: fogo, terra, ar e água. Cada um tem uma sonoridade. Fogo é o lado mais roqueiro, ar são músicas mais etéreas… No lado da água, tem uma parte que faz louvações a Iemanjá. No filme, quando Kátia Mesel canta isso, começa a chover - narra Cristiano, que alimenta mais um tanto a mística ao dedicar o filme ao deus Sumé (parte da mitologia de Paêbirú).

Zé Ramalho - que até hoje visita a Pedra e acredita que extraterrestres estão por trás de suas inscrições - não dá depoimento para o filme. Mas autorizou os diretores a usar todas as músicas para contar a história.

- Existe uma rusga entre Zé e Lula, e Zé preferiu não falar sobre o álbum. Mas todos no filme falam dele com muito carinho - nota Cristiano. - Apesar de negar a entrevista, Zé foi muito gente fina, fez um documento liberando a música… Só não queria ter a imagem dele hoje no filme. Ele pergunta por que não falaram do disco quando ele foi lançado (o álbum foi completamente ignorado na época). Aquilo foi muito decepcionante. Além de tudo, Zé Ramalho considera a obra que ele fez solo, posteriormente, muito mais importante. Como o disco tinha um aspecto coletivo, ele ali não tem o peso de ser o portador da mensagem, é só mais uma das vozes.

Mesmo antes da finalização, os diretores já receberam convites para apresentar o filme em festivais.

- Nosso desejo é estrear no É Tudo Verdade - diz Cristiano. - Seria ótimo também ter a exibição na TV, num espaço como o Canal Brasil.

Eles contam com a força da história. E os poderes de Sumé.




Pedra Templo Animal

Música e arranjo - Lula Côrtes & Zé Ramalho
Trompas marinhas - Lula Côrtes
Voz - Zé Ramalho
Okulelê - Zé Ramalho
Viola de 12 - Lula Côrtes
Sereias - Katia e Inácia
Percussão - Marconi, Israel, Agrício
Baixo base - Paulo Raphael
Coro - Alceu, Zé Ramalho
Letra - Lula Côrtes

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