segunda-feira, 4 de maio de 2009

pAPAIS&mAMÃES


O tempo dos Mamas and the Papas sobre a terra foi meteórico. Mas vai durar até o fim do mundo. O hits "Californian Dreamin" e "Monday Monday" (para ficar solamente no cânone) garantem a inscrição ad eternum do quarteto na távola redonda do pop.

Após 40 anos, as melodias criadas pela banda resistem às sublevações estéticas sofridas pela música jovem nos séculos 20/21.

Fosse pelo punk, por exemplo, os Mamas and the Papas eram para ter falecido junto com o bando de outros "imprestáveis-inúteis" daquela época.

Seria uma bruta mancada.

Sons do porte de "Californian Dreamin" e "Monday Monday" nunca vão correr risco de morte. Nem envelhecerão; eles têm a estatura de "Yesterday", "My Way", "Always on my Mind": perenes como o Paul Newmann e a Catherine Deneuve.

De vez em quando, chegam (um tantinho) a enjoar. Uma coisa é certa: nunca vão encher o saco. Já ouvi "Californian Dreamin" um milhão de vezes. E continuarei a ouvir, não importa a tendência que se sobreponha no rock.

Tem vezes que ponho a repetí-la várias vezes.

Música pop com pedigree adere ao cérebro, coração, tímpanos. Atiça a curiosidade: seja para decifrá-la ou por ela ser devorado:

"20th Century Boy", "Time of the Season", "Dancing Queen", "Wave of Mutilation". Tanto faz...

Numa grande obra pop sempre há novas experiências estéticas para se curtir mil vezes. As canções mamasandthepapianas possuem esse predicado.

Uma delas, para mim, é especial. Principalmente, porque passa desapercebida entre os escassos álbuns gravados pela banda. Chama-se "Go Where You Wanna Go", do disco de estréia If You Can Believe Your Eyes and Ears, de 1966.

É o primeiro single dos californianos.



Gravada em 1965, seu lançamento passou desapercebido. As atenções do mundo voltaram-se para eles quando o single sucessor, "Californian Dreamin", escalou as paradas de sucesso.

Galgou primeiras posições nos Estados Unidos e no Reino Unido. Depois, o mundo. Os Mamas (ou as Mamas) foram os únicos em condições de rivalizar com os Beatles.

Segundo a militante feminista Camille Paglia, o curso The Art of Song Lyrics, ministrado por ela aos estudantes de música da Universidade da Filadélfia, foi inspirado em "California Dreamin".

Num texto, no qual disserta sobre a morte do compositor John Phillips, aos 65 anos, Paglia volta aos leitores o mesmo questionamento que dirige aos seus alunos, no início do ano letivo:

"Passadas tantas décadas, o que explica "Californian Dreamin" conservar-se incrivelmente fresca?"

Nem a Camille sabe a resposta. O segredo foi levado com Phillips às profundezas da terra.

Nenhuma explicação, conclui ela, soluciona o mistério. Letra, melodia, harmonia e ritmo de "Californian Dreamin" têm sido dissecados, há mais de vinte anos, pelos estudos de Camille.

Paglia admite que - além da inegável expertise dos jogos instrumentais e vocais da música -, até hoje, muito pouco foi decodificado:

"Depois de décadas, o velho som não perdeu a vitalidade de sempre. Prova maior de que os segredos da grande arte não podem ser desvendados", observou - com felicidade - a professora.

Fora a música, Camille considera a encantadora Michelle Phillips (a única sobrevivente do grupo) "modelo cardinal" - seja lá o que isso signifique - da "Nova Mulher dos Anos 60". Junto, claro, da diva Grace Slick, do Jefferson Airplaine.

A doçura de Michelle, contudo, não sustentava sozinha as vocalizações poderosas dos Mamas and the Papas. O trabalho pesado, a bem da verdade, era feito por Mama Cass - literalmente, uma fofura.

Michelle cuidava dos gracejos mais saborosos...

Foi casada com John Phillips, cérebro letrista e arranjador da banda. Não era santa: a tentadora Michelle traía o marido com o parceiro de banda Denny Doherty. Mesmo com toda a liberdade do período, sobre ela dizem que foi bem "rodadinha".

"Go Where You Wanna Go" não desvenda os Mamas and the Papas. Mas, denuncia que o muro sonoro levantado pelo hitmaker de mão cheia, John Phillips, chegou ao Abba, por exemplo. Os suecos adaptaram o açucarado espírito da banda aos lúbricos anos 70.

A música é descendente direta do doo-woop, estilo vocal com o qual Phillips iniciara-se na carreira de músico, nos seminais The Journeyman.

No estúdio, para chegar a consistência de suas peças sonoras, a quem recorria Phillips?

Phill Spector, o engenheiro-chefe do wall of sound.

O hino flower power "San Francisco (Be Sure to Wear Flowers in Your Hair)" foi feito segundo lições de Spector. A famosa interpretação da música pertence a Scott McKenzie, amigo de John e parceiro de "viagens".

"San Francisco" abre o ensolarado concerto-filme Monterey Pop - cuja idealização foi de Phillips, filmado por D.A Pennenbacke -, que tem participações históricas de Hendrix, Byrds, Jefferson Airplaine e da estreante Janis Joplin.

Pela primeira vez, ao sacar "Go Where You Wanna Go", é meio complicado saber em qual detalhe sonoro concentrar-se. Não perca a sensibilidade de vista.

Boa opção é desconstruí-la prestando atenção na introdução orquestrada - um grave 'dum-dum-dum-dum-dum' que se repete duas vezes. Sublime acorde que antecede as vocalizações doo-woop que vêm depois.

Também dá pra escantear todo o resto pro lado; daí, ficar apenas com a marcação reta e econômica da bateria repercurtindo macia na música. Ou, ainda, esquecer a batera e se concentrar nos vocais que se entrelaçam entre uma estrofe e outra.

Os versos introdutórios.

2x:

You gotta go where you wanna go
Do what you wanna do
With whoever you wanna do it with

You gotta go where you wanna go
Do what you wanna do
With whoever you wanna do it with

Estendendo um cobertor formado por cordas, violões e piano, John Phillips arruma a cama para Mama Cass deitar seu vozeirão. Michelle ronrona como uma felina no cio.

Entra a segunda parte vocal. Cass (com todo o seu peso) vai tão alto que, em órbita, parece flutuar.

Seu vigoroso alcance vocal impressiona.

No trecho "Three thousand miles, that's how far you'll go", a dúvida:

"Daí ela não pode passar. Impossível avançar sem que, antes, ela faça uma pausa para recobrar o ar...", você pensa.

Mas Cass tem a capacidade pulmonar do Michael Phelps. A fofinha canta "And you said to me/Please don't follow!" com altitude e entrega de uma negra.

Se liga nessa parte: "And you said to me/Please don't follow!"

A íntegra:

You don't understand
That a girl like me can love just one man
Three thousand miles, that's how far you'll go
And you said to me
Please don't follow, cause you gotta go where you wanna go

Depois tudo retorna ao circular doo-woop branquelo:

Do what you wanna do
With whoever you wanna do it with
You gotta go where you wanna go
Do what you wanna do
With whoever you wanna do it with
You don't understand

Na estrofe seguinte, a letra muda. O alcance vocal, porém, é o mesmo.

Uma maravilha.

That a girl like me can love just one man
You've been gone a week, and I tried so hard
Not to be the cryin' kind
Not to be the girl you left behind
You gotta go where you wanna go

Enjoy it.


Arquivo do blog

Who's Next?