sábado, 19 de fevereiro de 2011

cOELHA bRANCA

Algumas pílulas te fazem crescer, outras te fazem encolher. E as que a sua mãe te dá não fazem efeito algum. (Grace Slick)

POR CRISTIANO BASTOS

Cena esquizofrênica do filme Medo e Delírio em Las Vegas, de Terry Gillian: esparramado na banheira louco de pedra, o narcotizado Dr. Gonzo (Benício Del Toro) implora a Raoul Duke (Johnny Depp) para que arremesse o toca-fitas na água quando a canção que ringe dos alto-falantes atinja o clímax.

O comando é imperativo: "Feed your head! Feed your head! – estrofes finais de "White Rabbit", música banida das rádios nortes-americanas, em 1967, por causa da apologia às viagens alucinógenas.

A voz que emposta potência e candura para cantar as aventuras de Alice in Wonderland, após ter lanchado  pílulas psicodélicas, é de Grace Slick, a bela, talentosa e politizada cantora e letrista do Jefferson Airplaine.

Em "White Rabbit", espécie de Bolero de Ravel embalado numa canção de ninar de movimentos circulares, um dos hinos da head music, Grace pincelou tonalidades ainda mais "dietilamídicas" à naturalmente lisérgica obra de Lewis Carrol.

Grace divide a autoria de "White Rabbit" com o irmão, Darby Slick, com o qual ela integrava o Great Society, banda que registrou a música antes do Airplaine.

Os irmãos Slick também assinam "Somebody to Love", peça sonora não menos simbólica que "White Rabbit".

São hits que fulguram no fundamental álbum do Jefferson Airplaine, Surrealistic Pillow, que marca o début de Grace nos vocais da banda da Costa Oeste dos Estados Unidos.

Musa do acid rock de San Francisco, Grace não foi a única fêmea talentosa da cena do rock psicodélico que prevalecia na Califórnia – e no mundo – no auge do Verão do Amor.

Mama Cass e Michelle Phillips (do Mamas and the Papas), Nico e Janis Joplin eram grandes vozes. Mas nenhuma delas juntava, tal Grace, intraduzível beleza, nata habilidade como songwritter e domínio sobre a complicada matemática construtora de canções pop e metricamente perfeitas.

O escritor gonzo Hunter Thompson sempre assumiu o fetiche por Grace Slick. Cansou de afirmar que música, além das estimadas drogas, sempre fora "combustível":

Pessoas sentimentais chamam isso de inspiração, mas o que elas realmente querem dizer é combustível. Isso acontece de novo, e de novo, e cedo ou tarde você é fisgado, e fica viciado. Toda vez que ouço "White Rabbit", estou de volta à meia-noite viscosa de San Francisco, procurando por música, dirigindo uma motocicleta vermelha veloz ladeira abaixo em direção ao Presidio, me curvando desesperadamente nas curvas através dos eucaliptos, tentando chegar ao Matrix a tempo de ouvir Grace Slick tocar sua flauta.

No rock dos anos 1970/1980, é clara a linha condutora que parte do estilo vocal de Grace Slick e influencia outras mulheres do rock: da chata (pra burro) Alanis Morrisete à chata (pra caralho) Dolores O'Riordan, da poetisa punk Patty Smith à runaway Joan Jett, todas reverenciaram – da melhor à pior forma – a força vocal de Grace.

Alcoólatra, vegetariana e defensora dos animais, com o fim do Airplaine Grace Slick encarou a insipidez do Jefferson Starship, cuja formação fora diluída numa enjoativa receita de hard rock ufológico e sintetizadores.

E o que ainda restara do Jefferson Airplaine reduziu-se à corruptela "Starship" e seu rock inofensivo, perfeito para rodar no easy listening boco-moco das rádios adultas.

A beleza e o charme de Grace Slick arrebataram muitos corações.

Apaixonado, o cantor folk Country Joe McDonald compôs a balada "Grace" em seu louvor.

Jim Morrison teve um rápido affair com ela encharcado em bourbon.

Em 1998, Grace confessou que, de todas as pessoas com quem sempre desejara ter um caso amoroso, só faltaram duas: o guitarrista Jimi Hendrix e o ator inglês Peter O'Toole.

Em 1994, após reclamações da vizinhança, um policial vai até a casa de Grace Slick, em Tiburon, Califórnia, conferir o que estava rolando. É surpreendido pela cantora completamente embriagada e por um cano fumegante apontado para sua cara.

A sentença de Grace foi estipulada em 200 horas de prestação de serviços comunitários. Ela também foi obrigada a comparecer aos Alcoólicos Anônimos durante três meses.

Hoje, Grace Slick jura que sua garganta dourada está longe da bebida. Mas o fabuloso canto de antes não se fez mais ouvir como naqueles dias - em que a vida era mais onírica e as cores pareciam vibrar com maior
intensidade.

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