segunda-feira, 18 de maio de 2009

fORÇA eSTRANHA

Caetano Veloso cai do palco enquanto reagia coro de três mil fãs, mas não perde a compostura

POR CRISTIANO BASTOS

A misteriosa da asa-delta que compunha, imóvel e portentosa, a gestalt do palco, no show de estreia do álbum Zii Zie, de Caetano Veloso, na noite de sábado no Centro de Convenções, em Brasília, ganhou metáfora não-planejada na última canção do bis: braços abertos - estendidos para a plateia de mais três mil pessoas -, Caetano entoava com entrega absoluta "Força Estranha" (canção sua em homenagem a Roberto Carlos).

Ao aproximar-se da beirada do palco, o baiano precipitou-se do alto de mais de um metro do chão. O cantor caiu empunhando sua guitarra acústica. Intacta, a asa-delta não sofreu danos.

Na hora da queda, o show - a praticamente uma frase de seu final - foi interrompido, músicos e roadies abandonaram o palco para socorrer o Caetano, que não perdeu o rebolado. Sem acompanhamento musical, ainda no chão, o cantor retomou "Força Estranha" da estrofe na qual parara:

"Por isso uma força me leva a cantar/Por isso esta força entranha no ar/Por isso é que eu canto, não posso parar". Foi ovacionado.

"O Caetano andava como se estivesse no ar", testemunhou ao Jornal de Brasília, a médica Aparecida Adréas, que, no inesperado momento, estava sentada na primeira fila, e assistiu a tudo de uma posição privilegiada.

Porém, para aqueles que estavam nas últimas fileiras, a impressão é que uma "força estranha", de fato, o sugara para o fosso que separa o palco da platéia. Segundo Aparecida, Caetano aparou todo o peso de seu corpo no joelho esquerdo, ao cair: "Na hora da queda, ele tinha um olhar 'beatífico' em seu rosto. Parecia um anjo", descreveu.

O guitarrista da bandaCê, Pedro Sá, estava tocando concentrado na hora do tombo. Viu, no entanto, que o front leader teve sagacidade ao cair: "Ele soube cair e soube se levantar", falou ao Jbr. Espirituoso, nos camarins, depois do show, Caetano ainda recebeu dezenas de fãs. Ansiosos, eles aglomeravam-se em busca de notícias e de uma oportunidade de demostrar algum carinho.

Confortava a todos: "Levei um baita susto!". E ainda deu uma brincadinha: "Cai bem. Só ralei o joelho", comentava com o ministro da Cultura, Juca Ferreira, já inteiramente refeito do incidente. À produção, Caetano pediu gelo para aplicar nas partes do corpo que ficaram mais doloridas.

Queda e ascenção - O baque, todavia, nem de longe maculou o esplendor do show. Tanto a voz, afinação e interpretação de Caetano quanto os atributos técnicos do som estavam impecáveis - perfeitamente equalizados. O que muito impressiona é que os tempos mudam; a voz de Caetano, contudo, é imutável.

"Sem cais", primeira canção de Zii Zie a ser tocada, ganhou projeção de gaivotas acizentadas no telão. Em "Trem das Cores", as cores assumem tonalidadades entre vermelho e azul.

Os riffs metálicos de guitarra em "Perdeu", acompanhados pelo "aquático" piano Fender Rhodes, remetem a rispidez pós-punk dos ingleses do Gang of Four. Nos momentos barulhentos, como nessa música, Caetano fica num segundo plano. A banda Cê, então, dá seu "show de noise":

"Sou chegado num rock barulhento, sim", comentou Pedro Sá, no backstage, ao fim da apresentação.

"Lobão tem razão", uma das mais cerebrais de Zii Zie, tem a engraçada frase: "O homem é o próprio Lobão do homem". Na verdade, uma alfinetada daquelas no colega polemista. A música é a resposta de Veloso a Lobão, que fez para ele, anos atrás, "Mano Caetano".

Caetano Veloso dedicou o show ao dramaturgo Augusto Boal, falecido este mês. "Boal foi o primeiro a dirigir minha 'maninha' Bethânia", disse. Depois emendou “Irene” - canção de 1970, tema da personagem homônima, interpretada por Regina Duarte, na novela Véu de Noiva -, em cuja versão original o lendário Lanny Gordin esmerilha sua Gianinni Sonic.

"Volver", definiu Caetano, é um "transtango: um 'tanguito'", complementou. Contemporâneo, aproveitou, também, para dedicar a estreia ao seus "amigos blogueiros brasilienses" - uma das turmas co-participantes do novo disco.

Em "Tarado ni você", Pedro Sá desfere as guitarradas mais pesadas do recente álbum. Quando, atualmente, nenhuma banda nacional (ao menos no mainstream) aposta no velho conceito de barullho, é como se Caetano tivesse ao seu dispor um power trio privado.

É assim - e muito por conta disso, aliás - que a coisa funciona tão bem. Não há choque de gerações.

"Menina da ria" é a canção solar do disco, com sua batida tropicaliente e letra pop. Junto com "A cor amarela", na qual Caetano exortou o público a bater palmas - sem dúvida - é o número "mais Brasil" de Zii Zie.

"Base de Guantanamo" remete aos Titãs em "O camelo e o dromedário". Isoladamente, no final de sua execução, aqui e ali umas quantas pessoas manifestaram-se quanto a letra.

Que diz:

"O fato dos americanos desrespeitarem os direitos humanos em solo cubano/ É por demais forte simbolicamente para eu não me abalar/ A Base de Guantánamo/A Base da Baía de Guantánamo/A Base de Guantánamo/Guantánamo".

"Coll e popular", assim Caetano define o bairro carioca da Lapa (reduto de personagens como Madame Satã, Nelson Gonçalves, Orlando Silva e Ataulfo Alves) na letra da canção, uma das que fecham a atribulada passagem pela capital federal.

É uma de suas prediletas, contou em entrevista ao Jbr. Até agora, Caetano apresentou o melhor show de rock em Brasília, no ano de 2009. Na mesma noite, foi ao céu da glória ao constrangimento (pequenino) da queda. Bateu até nos metaleiros do Heaven and Hell.

Lobão tem razão
Tarado ni você

Lapa

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