Memórias de quase dez anos, 1998, eu acho, se alguma coisa aqui dentro não estiver danificada a essas alturas, me fazem lembrar a primeira vez que ouvi aquele terrível nome saindo da boca do Carlinhos Carneiro: "Bidê ou Balde". Na hora não me soou muito bonito. Todos conheciam as fantásticas capacidades dadaístas do Carlinhos já tenro jovem - que sempre foi e ainda é - e desde os tempos em que ele ainda era um balconista de videolocadora (alguém já imaginou o Carneiro nessa situação?). Acredita-se que toda a pulsão criativa do Carlinhos tenha sua gênese ali naquela diminuta locadora de Bagé, onde ele prescrevia Blue Velvet e Twin Peaks pra clientes em estado de mania & depressão. Alguns deles se afundaram tanto em David Lynch que não voltaram. Carlinhos havia ido longe demais - e tão jovem...
Nos corredores da Famecos, penando em ressaca sonambúlica na cadeira de Administração em Jornalismo, aos sábados (eu e Carlinhos repetimos essa umas três vezes. Culpa das sextas-feiras. Estávamos sempre na função undernight e, pela manhã, nos resumíamos a desprezíveis farrapos humanos), sugeri um nome bobo pra eles. Chegou até a ser considerado - Os Japonas. Tempos depois o Carlinhos contou isso numa entrevista e uns carinhas do interior do Rio Grande do Sul, fãs confessos da Bidê ou Balde, nomearam a sua banda de Os Japonas em homenagem à arrrte da Bidê. Por causa desse nome horrendo Os Japonas nem devem mais existir. Acho que foram entubados pela "onda fashion do polyester" ou pela alta do preço do nylon, que transfigurou radicalmente a face da moda rock em 2002...Quem se lembra?
Bidê ou Balde é desses nomes que na primeira ouvida soam terríveis e depois são assimilados pela sua irresístivel fonética. Pronuncie-o em voz alta e permita-se sintir os vocábulos escorregando um a um da sua boca, as quatro sílabas: Bi-Dê ou Bal-De. Chega a ser um lance meio dadaísta. Com certeza é. Outras vezes soa como um slogan impossível de se decifrar. Bidê? E porque Balde? E isso junto, o que significa? No fim é apenas um nome pop - tipo Devo (alguém sabe o que significa Devo?) - e misterioso - misterioso como todo nome de banda de rock deveria ser.
A Bidê ou Balde (pensem o que quiserem, os sisudos detratores) é uma das melhores bandas surgidas no encastelado estado do Rio Grande do Sul em todos os tempos. O iconoclasta Outubro ou Nada! é um álbum repleto de grandes canções, com riffs tão bem tirados que parecem saídos direto de uma abastada vaca leiteira, sem mencionar as melodias encantadoras, os sexy vocais da Vivi e da mamãe-Katia. E mais: o disco é arranjado com uma elegância que pouco se vê na música pop brasileira - independente ou não. A cada faixa, engendra uma admirável engenharia de passagens sonoras, suítes e lindas microfonias. Ouça. Amo riffs e "Metalassê", o grande power hit do álbum, conseguiu ser um dos melhores que ouvi em toda minha vida de obsessões roqueiras.
A Bidê ou Balde (pensem o que quiserem, os sisudos detratores) é uma das melhores bandas surgidas no encastelado estado do Rio Grande do Sul em todos os tempos. O iconoclasta Outubro ou Nada! é um álbum repleto de grandes canções, com riffs tão bem tirados que parecem saídos direto de uma abastada vaca leiteira, sem mencionar as melodias encantadoras, os sexy vocais da Vivi e da mamãe-Katia. E mais: o disco é arranjado com uma elegância que pouco se vê na música pop brasileira - independente ou não. A cada faixa, engendra uma admirável engenharia de passagens sonoras, suítes e lindas microfonias. Ouça. Amo riffs e "Metalassê", o grande power hit do álbum, conseguiu ser um dos melhores que ouvi em toda minha vida de obsessões roqueiras.
Voltando ao esquisito do nome, eis que Carlinhos Carneiro está agora em um projeto paralelo à Bidê ou Balde (nesse momento tricotando novas composições), cujo nome é ainda mais strange: O Império da Lã. Tente formar em imagens o que Império da Lã poderia significar pra você. Na minha cabeça vem algo como um reinado de ovelhas no topo do mundo, o obscurantismo pós-Revolução dos Bichos. Ou algo mais prosaico, como uma loja especializada em lãs e malhas de todos os tipos fincada numa daquelas galerias da Rua dos Andradas. Quem sabe, então, uma senha secreta pra detonar a guerra nuclear...
Mas o Império da Lã, na verdade, não é "uma outra banda do Carlinhos". Ela é formada por um exército de putas-velhas com longa passagem - outros mais neófitos - pelo "rock de Porto Alegre", vamos usar essa terminologia. São eles: na bateria, simultaneamente, Pedro Petracco (dos Cartolas) e Gustavo “Prego” Telles (da Pata de Elefante); nas guitarras, Guri Assis Brasil, Guilherme Almeida (ambos da Pública) e Chico Berlota (da Groove James); no baixo, Julio Porto (da Ultramen); na percussão, Guilherme Thiesen (dos Stratopumas); no naipe de metais, Christian Poffo (sax e flauta), Vinícius Azzolini (trompete), Clint Não-Eastwood (sax barítono) e PC Gambá (trompete); a voz feminina da artista plástica Nina Moraes; e o crooner Carlinhos “Imperador” Carneiro (da Bidê ou Balde).
Seguro de si, Carneirinho afirma, com todas as letras, que O Império da Lã é, nada mais nada menos, que "o melhor conjunto de baile do RS, desde a formação de 94 da Banda Impacto!. Somos formados pelo créme de la créme da atual música jóóóvem porto-alegrense". O Império, explica o crooner, é uma banda sem repertório ou formação fixa, uma congruência de amizades e afinidades musicais, misturadas em uma anárquica salada de estilos em que unidade é a extensão do império por si própria. Sacou? Eu não. Só vendo.
Depois de uma histórica estréia mundial, há pouco mais de um mês, na fronteiriça cidade de Jaguarão (que rendeu-se por completo à barbárie da banda em dois shows lotados, cada um com mais de 2 horas de duração - e, de lambuja, ainda entregou a vizinha cidade uruguaia Rio Branco aos domínios do Império), os cavaleiros imperiais querem encabeçar o mundo. No repertório da dominação, além de músicas de autoria da banda, um passeio guiado por canções de Tim Maia, Frank Sinatra, Bob Marley, Erasmo Carlos, Wilco, Beatles, Supergrass, Roberto Carlos e Beck.
O plano, para um futuro bem próximo, confidencia Carlinhos, é aumentar os domínios do Império da Lã, arregimentando seguidores e adoradores em novas cidades. E, a seguir, a grande meta da banda para ingressar no seu sonho de mainstream: fazer shows em praças de alimentação, churrascarias, lojas e galerias de arte, para "arrecadar agasalhos (e alimentos, e brinquedos - além de novelos de lã, para virarem agasalhos em terapias ocupacionais de clínicas e asilos) para ajudar os necessitados e, de quebra, divertir-se em lugares inusitados". Império da Lã não é só despotismo - tem o seu viés social.
"Logo logo, o mundo será pequeno para o Império da Lã!", profetiza Carlinhos Carneiro. Planta-se a dúvida: O que será da Orquestra Imperial daqui pra frente?!