domingo, 2 de agosto de 2009

lUIZ gONZAGA: o rEI dO dISCO

ENTREVISTA: TÁRIK DE SOUZA

O jornalista e crítico musical Tárik de Souza começou na revista Veja em 1968, como repórter. Depois foi redator e editor de música. É autor dos livros Rostos e Gostos da MPB (com Elifas Andreato) e, em 1991, organizou a excelente compilação literária O Baú do Raul”, com textos reunidos de Raul Seixas.

Seu mais novo lançamento é a coletânea de entrevistas O Som do Pasquim, reeditada esse ano pela editora Desiderata. Desde 2007, é responsável pela pesquisa do programa O Som do Vinil, de Charles Gavin, no Canal Brasil. Com exclusidade ao site da Rolling Stone, Tárik concedeu essa entrevista, na qual falou da dimensão histórica (e fonográfica) de Luiz Gonzaga – O Rei do Baião.

Para o crítico, guardadas as diferenças, Gonzaga representou para o Brasil o que Elvis Presley significou para o mercado norte-americano. Tárik também elencou uma lista comentada com as cinco canções essenciais de Luiz Gonzaga.

Como poderíamos apresentar Luiz Gonzaga a juventude?

Gonzaga teve um sucesso torrencial. As prensas da antiga gravadora RCA, atual Sony/BMG, chegaram a trabalhar quase só para seus discos, entre o final dos anos 40 e início dos 50. Enquanto Presley foi o "Cavalo de Tróia" da negritude num país racista, Gonzaga colocou o nordeste, com sua cultura refinada e seus costumes peculiares, no mapa da MPB.

Era um momento de urbanização do sudeste, em que nordestino era encarado como peão de obra, cabeça chata, ser inferior. O rei do baião desvelou a diversificada cultura deste povo, então encarado de forma pejorativa.

E como situá-lo no panteão dos mais populares artistas brasileiros?

Está entre os maiores de todos, os fundadores de escolas: Pixinguinha, Noel Rosa, Dorival Caymmi, Tom Jobim.

Não é uma coincidência que ele tenha morrido no mesmo mês e ano que Raul Seixas, seu grande admirador? Que análise isso enseja?

Só a metafísica celeste explica. Não por acaso, Raulzito era um misto quentíssimo (com pimenta baiana) de Elvis Presley e Luiz Gonzaga.

O Rei do Baião difundiu o cancioneiro nordestino para o Brasil. Qual o contexto anterior a vinda de Luiz Gonzaga e o que mudou após o seu surgimento?

Justiça seja feita, antes dele alguns nordestinos já haviam se destacado compondo e cantando músicas de suas regiões. Entre eles, Catulo da Paixão Cearense, o de "Luar do sertão" (que apesar do nome era maranhense, e mais devotado à modinha e seresta), a dupla Jararaca e Ratinho, do mote "Do Pilá", que seria usado por Tom Jobim em "O boto"(humoristas e músicos sertanejos, um alagoano e o outro paraibano), o bandolinista pernambucano Luperce Miranda, dos Turunas da Mauricéia, mesmo núcleo que lançou o cantor alagoano Augusto Calheiros.

Eles emplacaram, ainda no carnaval de 1927, a embolada "Pinião". O paraibano Zé do Norte, já em 1939, comandava o programa "Manhãs da roça", que revelou um sanfoneiro do Acre, um certo João Donato, e depois fez a trilha do filme "Cangaceiro", de Lima Barreto, que estourou mundialmente "Mulher rendeira", "Saudade, meu bem sodade", "Lua bonita". E o pernambucano Manezinho Araújo ("Cuma é o nome dele?"), que desde 1933, notabilizava-se como cultor de emboladas.

Mas só Gonzaga conseguiu virar o jogo e transformar a nordestinidade em moda nacional. E o acordeon em instrumento obrigatório dos aspirantes à música, no lugar do piano.

No texto "A festa que virou gênero musical", você escreveu que Gonzaga, talvez, tenha sido o primeiro a valer-se do termo "forró". Na sua opinião, quanto esse gênero mudou desde então?

Na verdade, tomou-se a parte pelo todo. Assim como chama-se genericamente a rica música caribenha mais ritmada de salsa, todos os gêneros nordestinos de mais pulso rítmico (xaxado, coco, galope, baião e até alguns xotes) foram englobados pelo genérico forró.

Nesse mesmo texto, você disse que Gonzaga gravou até um rock: "Fole Roncou" – um forrock com Nelson Valença, de 1973. Que aventura foi essa? Ficou só nisso?

Parece que sim. O Gonzaga não era de experimentar muito. Ele procurou se aproximar das gerações mais novas no disco "O canto Jovem", de 1971, em que gravou Vandré, Caetano, Dori Caymmi, Tom & Vinicius, Edu Lobo, Gil e o filho Gonzaguinha. A última faixa, do parceiro Humberto Teixeira, avisava com a gíria da época: "Bicho, eu vou voltar".

Como entender Luiz Gonzaga – um homem tão "roots" – nesse contexto de hipertecnologia no qual vivemos?

A tecnologia que não utiliza as raízes vira robotização. Tem que ir fundo na tradição para poder inovar com fundamento.

Luiz Gonzaga foi para o nordeste o que Teixeirinha foi para o sul. Mas ambos são inesquecíves para o Brasil; e até para o mundo... Como você analisa a universalidade desses fenômenos regionais?

Teixeirinha teve sua grandeza para a música sulista, precedido pelo "pilchado" Pedro Raimundo, gaúcho que serviu de inspiração ao rei do baião para envergar seu traje de cangaceiro. Mas Gonzaga universalizou a música nordestina de forma avassaladora.

É incomparável sua influencia nas gerações de artistas que o sucederam mesmo de outras regiões e estilos. Vide Raul Seixas, Moraes Moreira e Tom Zé.


Você falou que a entrevista concedida por Gonzaga ao Pasquim (editado no livro O Som do Pasquim, Editora Desiderata) foi uma das que você mais gostou, junto com a do Lupicínio Rodriugues. Porque?

Porque ele contou uma parte essencial desta história que foi determinante para a MPB surgida a partir dos anos 60. Vale lembrar que um dos primeiros discos do papa da bossa João Gilberto foi “Bim bom”, uma interpretação dele para o fenômeno do baião.

Você chegou a conhecê-lo pessoalmente? Como era Luiz Gonzaga?

Quando Carlos Imperial espalhou o boato de que os Beatles tinham gravado "Asa branca", vali-me do gancho para vir ao Rio (trabalhava na Veja, em SP) entrevistar Gonzaga. Na época, meados de 1968, ele andava em baixa e morava num pequeno apartamento em Cocotá, na Ilha do Governador. Foi simpático e acessível, e a partir daí fiz várias entrevistas com ele.

Era um artista popular do tipo forjado na estrada, sem qualquer marra de estrela.

Como situá-lo no contexto histórico da indústria discográfica brasileira.

O encontro deste semi analfabeto genial com o advogado cearense Humberto Teixeira, no escritório deste em 1945, no centro do Rio, quando decidiram lançar o baião como cabeça de ponte da música nordestina no sul, mudou a indústria brasileira.

Cinco canções essencias de Gonzagão comentadas por Tárik de Souza:

1)
"Asa branca" (1947). Mote do folclore que Gonzaga e Teixeira tornaram hino da música brasileira. Assim como Caetano “mastigou” a música como cantador de feira, numa gravação de Londres, exilado, Vandré a tinha regravado (sem alterar a letra, mudando só a interpretação) como canção de protesto em seu disco “Hora de lutar”, de 1965.

2)
"Assum preto" (1950). Outra saga passarinheira, de comover frade de pedra, da mesma dupla. “Furaro os óio do assum preto/ pra ele assim cantá mió”.

3) "Imbalança" (1952). O "Desafinado" da música nordestina. Parceria com Zé Dantas que enumera exemplos na natureza de coisas que “imbalançam” como o suingue da própria composição metalinguística.

4)
"Vozes da seca" (1953). Outra com Zé Dantas. Além da beleza harmônica e melódica, um recado atualíssimo para a hecatombe da política brasileira: "Seu dotô uma esmola a um homem que é são/ ou lhe mata de vergonha/ ou vicia o cidadão".

5)
"Respeita Januário" (1950. Mais uma com Teixeira. Um pré-rap bem humorado e musicalmente irresistível como xote (antecessor do reggae). Sua auto-ironia cortante serve de antídoto para a atual era das celebridades do vácuo.

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