POR PAULO COELHO
Assim, o escritor e parceiro de Raul Seixas em alguns de seus maiores sucessos, define a amizade que os unia
Em 1989, eu estava fazendo o caminho de Roma quando soube da morte de Raul Seixas, em uma cabine telefônica, quando liguei para o Brasil (como fazia uma vez por semana) para ver se minha mulher estava bem.
Tinha três moedas de cinco francos no bolso, um minuto e meio de conversa. Eu disse: "Oi, Cris, tudo bem?" E ela: "Não sei se eu te conto". Caiu a primeira moeda, depois a segunda e daí ela disse: "O Raul morreu". Caiu a terceira moeda.
Ao contrário do que manda o figurino, eu senti uma profunda alegria. Parecia que, naquele momento, Raul estava livre, bem, contente. Lembro que passei o resto desse dia cantando nossas músicas. Eu tinha publicado O Alquimista, mas não era o escritor que sou hoje - mesmo no Brasil.
E continuei com aquela sensação de que Raul, de alguma maneira, tinha cumprido a missão a qual ele havia se proposto. Raul tinha vivido a lenda da vida dele, feito tudo o que achava que tinha de fazer. E não deixou absolutamente nada: foi uma escolha dele.
Nunca o vejo como uma vítima do sistema ou um cara que entrou num processo de autodestruição - nada disso. Foi uma escolha consciente, muitas vezes conversamos a respeito. Eu sempre demonstrei certo receio, contudo ele dizia que eu não me preocupasse: ele estava fazendo exatamente o que queria. No dia de sua morte entendi perfeitamente.
A nossa relação sempre foi muito complicada desde o começo. Quando começamos a trabalhar juntos, nos víamos todo dia. Ou ele vinha para minha casa ou eu ia para a casa dele. Era uma relação muito intensa, e uma competição acirrada. Raul sempre achava que eu queria mostrar que era melhor que ele, e vice-versa.
Eu era o intelectual que sonhava morrer incompreendido, e Raul tinha esse poder de comunicação muito grande - muito grande. Pouco a pouco, nós começamos a desenvolver toda a ideologia da Sociedade Alternativa, unindo o ideário hippie.
No disco Krig-Há, Bandolo!, a música-chave é "Ouro de Tolo", que é dele, e tem "Rockixe", quase uma declaração de princípios.
Pouco a pouco começamos a nos entender. Apresentei as drogas a Raul, as sociedades secretas e essas coisas todas. Será que fiz bem? Raul entrou de cabeça nisso tudo. Em dado momento, eu disse: "Chega, parei". Mas Raul continuou, uma escolha absolutamente consciente, e ninguém pode julgá-lo por isso.
Você lê esta matéria na íntegra na edição 35, agosto/2009