domingo, 14 de junho de 2009

cHICO cÉSAR: eTERNO cONSTESTADOR


POR CRISTIANO BASTOS

O cantor e compositor Francisco César Rocha – ou simplesmente Chico César – tem uma habilidade nata para unir linguagens musicais. Seu dom será exercitado hoje, ao lado do artista africano Ray Lema – os dois dividem o palco pelo projeto Todos os Sons, no CCBB.

O pianista Ray Lema, natural do Congo, conjuga em sua música porções equilibradas de jazz e sons de sua terra natal. O encontro com Chico César ocorreu em 1998 e logo prosperou.

"Um sofisticado duo de piano, violão e vozes, parte da cultura ancestral africana e nordestina. Clima transcendental de magia estética", definiu o compositor paraibano à reportagem do Jornal de Brasília.

Nascido em 1964, Chico César deixou sua querida Catolé da Rocha aos 16 anos. Destino: João Pessoa. Lá, formou-se em jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFP). No mesmo compasso, engrossava as fileiras do grupo-manifesto Jaguaribe Carne, responsável por criar música e poesia de vanguarda – e por tomar de assalto a desavisada capital paraibana.

Em 1991, no princípio de sua experiência em São Paulo, Chico foi convidado a excursionar pela Alemanha. O sucesso da empreitada o animou a abandonar o jornalismo e dedicar-se somente à arte musical. Formou a banda Cuscuz Clã e lançou seu primeiro álbum: Aos Vivos, de 1995.

Há um mês, Chico César assumiu novo desafio: presidir a Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope), cargo no qual enfrentará a desafiante "política cultural". Em entrevista exclusiva ao Jornal de Brasília, ele comentou a novidade e opinou sobre Brasília, Sérgio Sampaio e, claro, música.

Musicalmente, como você anda hoje em dia?


Lancei novo álbum há um ano: Francisco, Forró e Frevo. Foi super bem-recebido por crítica e público, indicado ao Prêmio da Música Brasileira em três categorias: Melhor Cantor Regional; Disco Regional e Projeto Gráfico.

O que vai rolar na apresentação com Ray Lema, no CCBB de Brasília?

Ele é um dos músicos mais renomados e respeitados da África, da geração de Youssou N'Dour. Somos como irmãos, amigos há muitos anos. Fizemos esse show em muitos lugares do mundo: São Paulo, Itália, Espanha, França. Tocamos músicas dele e minhas.

Traçando paralelo entre música e política: qual a peculiaridade na Paraíba?

Olha, cara, na verdade, o maior pararelo é que minha opção em ser músico tem a ver com política. Eu fui do movimento secundarista, pertenci ao movimento estudantil da universidade. Fiz greve de fo me: junto com outros colegas, passei 11 dias sem comer, certa vez. Também me envolvi com política cultural, dos 16 aos 21, aqui em João Pessoa, no inicío dos anos 80. Minha geração não era governo, pelo contrário: estava saindo da ditadura. Só agora, na verdade, que o Ministério da Cultura traçou um Plano Nacional de Cultura – o qual passa pela Lei Rouanet e contamina estados, muncípios e instituições culturais. Aliás, esse é um projeto muito bacana para os País se envolver – para que o dinheiro da renúncia fiscal não sirva, apenas, para artistas escolhidos pelos empresários. Assim, o artista desconhecido da cidade- satélite, por exemplo, vai concorrer às mesmas verbas que nossa queridíssima Fernanda Montenegro.

Poderia falar um pouco sobre sua participação no coletivo Jaguaribe Carne?

Ingressei no Jaguaribe em 1980. O cerne do grupo são os irmãos Paulo Ró e Pedro Osmar. Eu sou o agregado mais próximo. Foi nessa época, quando cheguei do sertão para a capital, que me filiei ao Jaguaribe Carne. Comecei exercitar, então, política cultural de cunho comunitário – anarquista até. Experiência importante para formar o ser político e o artista que hoje sou.

Você ainda se considera membro efetivo do Jaguaribe?


Eu me considero! A não ser que eles me expulsem (risos). Continuamos trabalhando juntos. Inclusive, os membros-criadores, Ró e Osmar atualmente também estão traçando essa política cultural aqui, em João Pessoa. Não somente com a nossa geração de artistas, mas, também, com a nova geração de artistas da cidade.

Qual o desafio cultural de João Pessoa?

O maior desafio foi enfrentado por meus antecessores. Eles, finalmente, conseguiram cessar com essa coisa de fazer só os grandes eventos – de praia, micaretas – e realizar uma programação popular e digna, com artistas locais. Era o mais difícil: romper com as máfias que se formam em torno da indústria cultural e de entretenimento. Assumir uma política comprometida com práticas culturais comunitárias. O maior desafio ainda é resistir ao assédio dessa indústria do entretenimento, que pretende fazer das cidades a sua arena. Trazer de volta os valores da cultura popular.

Brasília: você já passou muitas vezes por aqui. Qual sua impressão sobre a capital do País?

Brasília é a melhor platéia para qualquer artista brasileiro. Porque, de certa forma, tem o Brasil inteiro aí dentro. E, diferentemente de São Paulo, o público brasiliense não é tão bombardeado com informações. Ele se relaciona de modo mais afetuoso com a arte produzida não só no Brasil como na América Latina.

Soube que você, assim como Zeca Baleiro, é grande fã do Sérgio Sampaio. Verdade?


Sim! Sou muito admirador da pequena obra do Sérgio Sampaio. Gravei no disco em sua homenagem, Balaio do Sampaio. Sérgio era o tipo de artista que ficava entre Caetano Veloso e Raul Seixas. Um artista que não era nem roqueiro, nem baiano e nem sambista. O tipo de cronista urbano que usava de todas as referências com forte visão urbana. Visão que, ainda hoje, mantém-se viva e atual. Sou, realmente, grande fã do Sérgio.

Ele faz muita falta hoje?

Acho que cada um tem seu tempo. Eu sinto mais falta dos que virão do que dos que já se foram.

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